BI312 - O Instalador

OPINIÃO 51 valorização, apenas os não recuperáveis seguiam para aterros especiais. Com o arranque do funcionamento dos CIRVER (Centros Integrados de Valorização de Resíduos Perigosos) – com duas unidades a funcionar na Chamusca que oferecem um conjunto de soluções tecnológicas que permitem valorizar ou depositar em aterros para resíduos perigosos, a quantidade de resíduos que saiu do País diminui substancialmente. Para controlar, de alguma forma, esta circulação, a legislação portuguesa apela ao critério da proximidade e da hierarquia de gestão de resíduos, que define que numa primeira escolha na resposta a dar destino aos resíduos, deverá considerar-se a localização das instalações. Isto tudo seria positivo se acreditássemos que estamos a falar da promoção do desenvolvimento económico, social e ambiental de cada país recetor. Não tenhamos qualquer dúvida, na maioria das vezes, o lixo circula entre países, não porque os países de origem não têmdestinos tecnicamente adequados, ou porque o objetivo é encaminhar para umdestino ambientalmentemais adequado, mas porque o objetivo é fazer negócio e obter lucro. É justo este objetivo, desde que se perceba que o lixo não pode ser encarado apenas como uma ‘mercadoria’. Ao contrário de matérias primas com perigosidade que requerem um manuseamento especial, que são bem-vindas nos países recetores porque irão dar origem a produtos de valor acrescentado, o lixo, tal como a própria definição que a legislação lhe atribuí é ‘alguma coisa que o detentor se quer ver livre’. Nemmesmo a pandemia da Covid-19 afetou esta tendência de varrermos para debaixo do tapete dos outros o nosso lixo. O problema é quando o vizinho não tem meios para varrer esse mesmo lixo. Esta é uma das tendências do crescimento económico e da globalização que levaram a um aumento mundial do transporte de resíduos através das fronteiras, por via rodoviária, ferroviária e marítima. Os resíduos contêmmatérias-primas secundárias valiosas. O comércio de resíduos pode ter um impacto positivo na economia, mas o movimento descontrolado de resíduos perigosos, muitas vezes tóxicos ou cancerígenos, pode ter consequências ambientais e sociais desastrosas. Este tipo de Resíduos provenientes de países da Europa, ou de outros países desenvolvidos, têm vindo, em algumas situações, a ser “despejados” em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, colocando em risco, em várias ocasiões, a saúde e os habitats destes locais. Mas esta tendência de ‘empurrar’ os resíduos para o país vizinho, para o país com destinos mais baratos, ou mesmo commelhores ‘valores demercado’ tem vindo a ser colocado em causa pela população mundial. São muitos os movimentos de cidadãos que se têm revoltado com esta situação de injustiça social e ambiental, promovendo ações de manifestação ou apresentando o seu descontentamento. Portugal foi um destes casos, com os movimentos sociais a manifestarem o seu descontentamento na receção dos resíduos provenientes de países como Itália, onde a estratégia de gestão de resíduos praticamente inexistente, obrigou-os a distribuir o seu lixo (sem qualquer separação e triagem) pelos países com ofertas quase 'promocionais'. Assiste-se nestes últimos dias a um fechar de ‘portas’ por parte da Grécia ao ex-Navio Aeródromo (NAe) São Paulo, da Marinha Brasileira, carregado de amianto a bordo, que numa coletiva e firme posição mundial, obrigaram a que esta embarcação regressasse ao Brasil, pela falta de cumprimento da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, nomeadamente no que respeita à apresentação do respetivo ‘Inventário de Materiais Perigosos’, validado por testes de laboratório. Por acaso foi a Turquia a ter esta posição consciente, caso tivesse sido um qualquer país do Sudoeste Asiático este caso não teria tido este desfecho, e estaríamos a assistir, provavelmente, a um ‘assassinato coletivo’. Enquanto não pararmos de olhar para o lixo como uma ‘mercadoria’ este irá continuar a circular entre fronteiras sem qualquer critério, a aguardar que algum destes países, que queira rentabilizar financeiramente as suas infraestruturas, lhes abra as portas. Enquanto isso, o ex-Navio Aeródromo (NAe) São Paulo aguarda o desfecho da sua situação, com amianto e a tripulação a bordo. n * Especialista na área dos Resíduos e Ambiente Doutoranda em Engenharia do Ambiente no IST Fundadora e Coordenadora do SOS AMIANTO Autora do livro 'Não Há Planeta B: Dicas e Truques para umAmbiente Sustentável' Conselheira do CES - Conselho Económico e Social, pela CPADA, em representação das Associações Nacionais de Defesa do Ambiente

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