Informação profissional do setor das instalações em Portugal

"Em Portugal o crescimento do mercado de chillers e de bombas de calor será mais acelerado que na média da Europa"

Entrevista a Miguel Cavique, da CEST

Alexandra Costa04/12/2024

Em conversa com a revista O Instalador, Miguel Cavique abordou as dificuldades que a Europa sentiu no início da década, fruto da escassez de componentes e as consequências para o setor. Hoje essas dificuldades parecem estar ultrapassadas e tudo indica que o setor do ar condicionado está em franca expansão na Europa. O impacto da publicação do Regulamento F-Gas foi igualmente abordado, sendo que "com todas as alterações aos regulamentos de gases, a mudança será constante".

Miguel Cavique, proprietário da CEST
Miguel Cavique, proprietário da CEST.

Como correu o negócio da CEST em 2023?

O ano passado, de 2023, foi um ano de estabilização para a CEST. Como sabem, a CEST dedica-se à comercialização de equipamentos da AERMEC e da TEV. Em 2021 e em 2022 a falta de componentes criou grandes dificuldades na produção de equipamentos. Por falta de micro-chips não havia motores de ventiloconvectores; a produção de chillers parava por falta de cobre; os produtores de compressores falhavam as entregas. Foi um período crítico que felizmente se esbateu em 2023. Toda a Europa teve de refazer as suas cadeias logísticas para depender menos da China. Em particular, arrancaram na Europa fábricas de micro-chips de várias gerações. A Europa fez o erro estratégico de depender de um único produtor- a TSCM (Taiwan Semiconductor Manufacturing) que fazia os semicondutores mais evoluídos do mundo. Por isso a Europa resignou-se a não investir em semicondutores menos evoluídos. E o resulto foi toda a indústria parou. E o mesmo se passou na indústria automóvel e em muitas outras.

Para piorar a situação, em fevereiro de 2022 há a invasão da Ucrânia e o embargo ao gás Russo. Aí mostrou-se a dependência estratégica da Europa do gás Russo. A resposta foi o Repower EU que em particular aposta no aquecimento a partir de bombas de calor.

Com todos estes problemas, a Europa tem tido uma reacção de adaptação muito rápida. E de igual modo as fábricas. A AERMEC diversificou os fornecedores e garantiu entregas de componentes electrónicos. Na CEST, optou-se por fazer stocks elevados de ventiloconvectores e de componentes electrónicos. Veja como houve escassez de materiais - a AERMEC chegou a impedir a venda de placas electrónicas que não fossem para reparações.

A par da falta de materiais, o mercado de trabalho a partir do COVID modificou-se. Também tivemos de nos adaptar a esta nova realidade.

Mas com o empenho de todos, conseguiu-se superar o ano de 2023.

Que avaliação faz da evolução do setor da climatização no geral, e em Portugal em particular?

O setor do ar condicionado está em franca expansão na Europa. Em particular as bombas de calor têm condições para multiplicar o seu mercado em cerca de quatro vezes até 2030 (base 2022), de acordo com a EHPA. Mesmo que o mercado das bombas de calor tenha decrescido ligeiramente na Europa em 2023, as condições estruturais mantêm-se. A lei do clima, com o fit-for 55, impõe uma crescente componente renovável, na qual as bombas de calor se enquadram. E sobretudo há a questão estratégica da energia – temos de ter acesso a fontes seguras, acessíveis e não poluidoras, e as bombas de calor cumprem estes requisitos.

PRG - Bomba de Calor a R290

PRG - Bomba de Calor a R290.

E em Portugal?

Em Portugal o crescimento do mercado de chillers e de bombas de calor será mais acelerado que na média da Europa. Basta ir a uma grande cidade da Europa para se verificar que temos muito espaço para crescer. Tenho ido várias vezes a Verona e a Milão. Hotéis, espaços públicos, teatros, tudo tem sistemas de aquecimento e de arrefecimento a água. Sistemas splits e multi-splits já estão a ser abandonados há décadas neste tipo de instalações. E o regulamento F-Gas irá impor medidas neste sentido.

O novo regulamento F-Gas já foi publicado. Que alterações o mesmo implica no setor e no negócio da CEST?

Vai ter. Estamos em permanente mudança. Passámos a ter um F-Gas 2024 com metas mais ambiciosas que as do de 2014. As máquinas split até 12 kW serão para já as mais afectadas. A CEST vende equipamentos estacionários a água, chillers, bomba de calor e máquinas multifunções a 4 tubos. Mas o impacto vai ser análogo. O nosso mercado tem clientes muito exigentes, pelo que aquilo que é imposto aos splits é indiretamente imposto às máquinas maiores por via das preocupações dos clientes com o futuro das suas instalações.

Até agora o F-Gas 2014 impunha às fábricas quotas e valores médios de GWP. Por cada máquina a R410a teriam de ser feitas várias a R32. Ainda há poucos anos, a AERMEC fez um enorme esforço no projecto de novas máquinas a R32. O R32 tem GWP mais baixo que a generalidade dos gases utilizados à data, mas sobretudo reduziu-se a carga de refrigerante para a mesma potência. Como resultado, para a mesma potência, o GWP do refrigerante de uma máquina de hoje a R32 é de cerca de 25% do de uma a R410a.

Mas a nova F-Gas é bem mais ambiciosa que a anterior. Para todos os efeitos proíbe máquinas novas a R410a a partir de 2027. Para ser mais preciso, a partir de 2027 não podem ser fabricados chillers com GWP superior a 750 e a partir de 2030 o GWP dos refrigerantes de todas as bombas de calor terá de ser inferior a 150. Para as bombas de calor de 12 a 50 kW há um passo intermédio já em 2027, impondo-se um GWP máximo de 150. Claro que existem cláusulas de excepção para casos em que haja riscos de segurança. Com GWP baixo parece que teremos de utilizar propano (R290), ou outros fluidos naturais.

Contam lançar algum produto novo no mercado este ano de 2024?

Com todas as alterações aos regulamentos de gases, a mudança será constante. A AERMEC lançou este ano uma bomba de calor modular (PRM) de 100 kW, que pode ser montada sequencialmente em paralelo até aos 900 kW. É uma resposta imediata para dar resposta a uma extensa gama de potências. No final deste ano (2024) estarão disponíveis as bombas de calor, PRG, entre os 50 e os 150 kW. Mesmo que as metas para bombas de calor sejam mais exigentes que as para os chillers, as gamas de máquinas têm geralmente versões só frio e bombas de calor. Por isso, todas as alterações vão ser feitas já.

Isto cria uma forte pressão no desenvolvimento. Ainda há poucos anos a solução parecia ser o R1234-ze, com GWP próximo de zero. As máquinas eram um pouco maiores para garantir as mesmas potências. Temos os chillers NSM ar-água e os correspondentes água-água. Mas os gases R1234 são hidro-fluor-olefinas (HFO). Os HFO decompõem-se facilmente na atmosfera e os átomos de fluor reagem criando o ácido trifluoracético. Ainda não há proibição deste tipo de gás, mas a AERMEC decidiu não continuar a desenvolver este tipo de máquinas e passar directamente para o R290. Tudo está em ebulição – maior mercado e alterações legislativas.

Fábrica da AERMEC em Bevilacqua (Verona)

Fábrica da AERMEC em Bevilacqua (Verona).

Com essas dificuldades como avalia 2024 e quais as perspetivas para 2025?

No meio de tanta confusão o ano de 2024 vai ser bom. Muitas obras que estavam para decidir há anos entraram em carteira. O ano de 2025 parece que será uma continuação – crescimento de mercado e do volume de encomendas. Mas cada ano é um recomeço. Julgo que vai haver efeitos negativos para a UE com as eleições nos EUA; o papel da UE no conflito da Ucrânia pode ser posto à prova; o conflito do Médio Oriente deve alastrar. Num quadro estratégico a médio prazo há preocupações. Mas a economia Portuguesa deve continuar a crescer nos próximos anos e o mercado do ar condicionado do mesmo modo. Os sinais de abrandamento da economia Europeia terão efeitos na nossa com algum desfasamento.

Que área de negócio dá sinais de maior crescimento?

Bem, nós sempre apostámos em sistemas a água. Desde há muitos anos que temos o slogan “o futuro está na água”. Tenho visto este futuro sempre adiado, mas as imposições legislativas vão alterar o mercado. E o mercado vai crescer. As nossas vendas de chillers, bombas de calor e de ventiloconvectores vão subir. É nessas gamas que somos conhecidos e reconhecidos. O mercado sabe que conta connosco para ter soluções a funcionar.

Às vezes há situações complicadas, mas temos conseguido sempre ter os nossos equipamentos em funcionamento. A qualidade de base e os testes a 100% das máquinas, sejam ventiloconvectores, chillers ou bombas de calor, antes de saírem das instalações da AERMEC dão-nos muita confiança. Sabemos que cada máquina que vai arrancar já funcionou nos testes.

Por isso estamos seguros de que a nossa gama de ventiloconvectores e de chillers vai ganhar quota de mercado. Temos uma equipa experiente e motivada que fará acontecer estas previsões. Estamos sempre em busca de novas soluções que ajudem o mercado.

PRM - Bomba de Calor modular a R290

PRM - Bomba de Calor modular a R290.

Falando em soluções, como vê a inovação no mercado de climatização e qual o papel da CEST?

O ethos da CEST sempre foi a inovação. Se quiser, o conhecimento técnico ao serviço de resolução de problemas do mercado. Apresentámos em 1997 a solução dos CWD para a Expo98. Claro que o mercado teve de aceitar a solução. Na altura a LM e a Climaespaço acharam a solução interessante e os CWDs tornaram-se o padrão para os edifícios da Expo98.

Mais tarde, pelos anos 2010, apresentámos as soluções de unidades de recuperação para o Parque Escolar. Mais uma vez, o mercado teve de aceitar a ideia. Essas unidades permitiam manter a qualidade do ar interior nas salas e insuflar ar exterior à temperatura ambiente.

Estas foram talvez as soluções de inovação que mais frutos deram. Mas houve muitas mais, como os Marstair para garrafeiras e salas de baixa temperatura. Fazemos sempre parte da solução. Várias vezes nos procuram com problemas difíceis – digo sempre à equipa: ainda bem! – "se fosse simples não eram precisos engenheiros".

Além disso, temos apresentado anualmente ideias de resolução de problemas concretos nos nossos Seminários. Lembro-me de fazermos há muitos anos uma primeira avaliação de consumos de energia com o EnergyPlus, quando ainda não existia o DesignBuilder. Mais tarde, fizemos avaliações do funcionamento de máquinas multifunções a 4 tubos, o papel do ar novo para reduzir o uso de energia, o fotovoltaico e o seu papel em edifícios nZEB. Mais recentemente, temos discutido problemas de estratégia de energia. Temos de actuar no dia a dia com uma visão global.

E a inovação no mercado?

O mercado da climatização é muito exigente. O nível de conhecimento, de exigência e de preparação é muito maior do que existia há 20 anos. O mercado está constantemente a inovar, sobretudo na resposta das fábricas às exigências das directivas EcoDesign e F-Gas. O esforço de projeto de hoje não se compara com o de há 20 anos. Do lado dos fabricantes, as marcas estão em permanente evolução, e a tendência é a utilização de sistemas a água. Por isso as grandes marcas internacionais vêm para a Europa e compram marcas com sistemas a água.

PRMs em sequência (paralelo)

PRMs em sequência (paralelo).

Isso pode acontecer com a AERMEC?

Não é provável. Mal comparado, a AERMEC funciona como o Nabeiro em Campo Maior. Já existiram propostas com o triplo do valor e foram recusadas. A AERMEC tem um compromisso sério com as pessoas. É brio na AERMEC falar de uma família AERMEC ancorada na família Riello, a família dona da empresa. É um win-win a prazo. A AERMEC ganha na medida em que todos os funcionários e parceiros de negócio também ganhem.

Hoje a AERMEC é uma firma internacional com peso crescente nos EUA e Canadá, Médio e Extremo Oriente. Diz-se que é internacional, não multinacional - o modo de funcionamento internacional é o mesmo que ao nível local – pessoas.

Como vê o futuro da climatização?

Os principais desafios são os mesmos de há muitos anos – garantir o conforto e a qualidade do ar interior, mas com restrições crescentes em termos de energia e de ambiente. Iremos assistir nos próximos anos a grandes mudanças no fabrico de chillers e de bombas de calor. Muito provavelmente, os gases refrigerantes do futuro serão outra vez naturais, como já foram no sec. XIX. É um “back to the future” no mercado de refrigeração. Será usado o CO2, o propano, talvez o butano, o amoníaco e outros gases.

Na literatura científica já se pesquizam refrigerantes sem Fluor que dêem resposta às necessidades de gases com baixo GWP. O meu optimismo epistemológico diz-me que irão aparecer. Além disso, as novas soluções de climatização terão de ser progressivamente mais eficientes. Imposições em eficiência e alterações nos refrigerantes obrigam a uma abordagem diferente nos projectos e nas obras de AVAC. O AVAC existe em parte porque vivemos concentrados. As grandes cidades de todo o mundo ainda preferem ter um centro. Um dia teremos de viver de forma diferente, mais descentralizada. Talvez no final deste século.

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