Entrevista e Fotos: Ana Clara | Jornalista e Diretora
04/02/2021Em 2020, a Endesa atingiu o patamar dos 500 mil clientes tanto em eletricidade como no gás natural. Nesta entrevista, Nuno Ribeiro da Silva garante que não está preocupado com os números e que o objetivo passa por “crescer de forma sustentável” e “com base na confiança com o cliente”. O Diretor-Geral da Endesa Portugal fala ainda do desafio da transição energética, da descarbonização e da digitalização, desafios prementes para a mudança no setor elétrico.
Sim, é verdade, porque infelizmente, nem sempre os Governos têm mantido coerência nas regras e no processo da liberalização, com avanços e recuos, e muitas trapalhadas pelo meio.
Muitas incompreensíveis. Dou-lhe um exemplo recente. O facto de ter sido definido por este Governo, devido à pressão de alguns partidos (da Geringonça, nomeadamente o PCP e o Bloco de Esquerda), que os consumidores domésticos podiam voltar ao mercado regulado. Para qualquer pessoa que perceba o mínimo do assunto, seria um retrocesso e mais não foi que um “convite envenenado”. Todos sabemos que, se as pessoas voltarem ao mercado regulado, vão pagar mais na fatura.
Felizmente. Mas há aqui efeitos negativos à mesma, nomeadamente, a prorrogação da tarifa regulada até 2025. A maior parte das pessoas que ainda está no mercado regulado, está por inércia ou por desconhecimento. Se se mantivesse o calendário de as pessoas poderem escolher o comercializador, onde têm melhores tarifas, onde nós e outros comercializadores oferecemos tarifas abaixo da tarifa regulada, para equacionarem a sua mudança para o mercado livre, eram obrigadas a pensar no assunto e tinham alternativas, mais vantajosas. Isso é, de longe, muito melhor, do que estarem no mercado regulado. Como digo, tratou-se de um sinal envenenado.
Sim, a par das campanhas e ações competitivas. O grupo tem todo um quadro, não só de infraestruturas, como a Endesa Energia, que tem uma constante atividade no mercado mundial em termos de compra de gás natural e carvão (ainda), que nos permite abastecimentos a melhores preços e custos de geração de eletricidade mais baixos. E depois, com essa interface final com o cliente, suportada em meios adequados, e uma boa relação com o cliente, ajuda muito. Oferecer produtos e soluções competitivas, já consolidadas, numa altura difícil, acaba por ajudar.
Estamos com tarifas bastante competitivas. E onde tivermos margem para descer tarifas, preferimos fazê-lo com segurança de que o mercado efetivamente sai da volatilidade em que tem vivido. Obviamente que queremos crescer mais, mas para nós só faz sentido fazê-lo ao termos condições para poder refletir no cliente um contexto que consigamos de ganhos nos custos de geração. É expectável que venhamos a viver durante bastante tempo com este quadro de volatilidade. Basta que aconteça uma retoma da atividade económica em setores mais decisivos – grandes consumidores de energia – para que a situação mude.
Sim. Não podemos comprometer-nos com preços que depois, por razões conjunturais, se alteram. Temos de ser responsáveis, honrar os nossos compromissos e criar com o consumidor uma relação de confiança. Temos de partilhar com o cliente os momentos bons do mercado e protegê-lo dos maus. O cliente valoriza a nossa fiabilidade e qualidade de serviço. Mas obviamente dá imenso valor ao preço. Contudo, dentro desta estratégia de seriedade, temos mantido competitividade. E, em 2020, dos clientes que mudaram de comercializador, fomos a empresa que mais captou a confiança desses consumidores.
Não estamos preocupados com números, obviamente queremos crescer mais, mas de forma sustentável. O crescimento tem de ser feito com base na confiança com o cliente. Este é o aspeto fundamental para nós. Internamente, mais uma vez, a informatização é essencial, seja a nível do grupo Endesa ou da Enel. Neste momento, como muitos, temos muitas pessoas em teletrabalho, as coisas funcionam e a empresa não tem parado. E é uma evidência da resiliência que tivemos e uma capacidade de dar resposta sólida.
Temos de ser responsáveis, honrar os nossos compromissos e criar com o consumidor uma relação de confiança
É ponto assente que a central do Pego vai fechar. Isto para o grupo Enel e Endesa não é inédito. Fechamos recentemente uma central na Colômbia e em Espanha estamos a fechar várias. E temos um modelo e equipas preparadas para mitigar o impacto económico desta mudança de tecnologia e o encerramento destas centrais. Recordo também que estamos comprometidos com uma série de objetivos das Nações Unidas. Temos, internamente, elaborado planos e ações concretas no terreno para os sítios onde estamos a desativar centrais, de mitigação, mudança e transformação das economias locais, fruto do impacto de encerramento e fazer a transição da forma mais limpa possível. O que lhe posso dizer, neste momento, é que estamos a conversar ainda com o nosso sócio da Tejo Energia para o modelo de futuro para o Pego. Temos noção que é urgente, do ponto de vista operacional e técnico, e também para o futuro das populações. Em breve haverá novidades sobre o futuro e a transição.
O caminho mais óbvio é optar por um mix de renováveis para poder instalar e aproveitar. Ter a possibilidade de manter alguns elementos da central que podem prestar serviços ao sistema elétrico, e é com base nisto que estamos ainda a avaliar o caminho mais racional. Queremos dar nota disto ao Governo e às autarquias e, muito em breve, iremos ter decisões sobre este dossier em concreto.
Não se pode pôr a questão do hidrogénio verde como sendo o milagre para todo o desafio da descarbonização e transição energética, mas por outro lado, é uma tecnologia que faz sentido em determinados nichos. E que já está a mexer. Vejamos, na produção de eletricidade em Portugal, 61% é de origem renovável. Ainda não estamos sequer em 100%. E é importante perceber onde a instalação da potência renovável, em termos de combinação da disponibilidade do recurso, pode ser viável. A nossa opção é dar prioridade a acordos com indústrias que precisam de hidrogénio no processo e fazer parcerias bilaterais.
Tudo tem o seu tempo. Mas o nosso ponto de vista é que temos de estudar, trabalhar na possibilidade de montar uma unidade de eletrólise de produção de hidrogénio e entregar ao cliente. Privilegiar essa relação inclusivamente de proximidade, na pequena infraestrutura de rede, de proximidade entre um utilizador de hidrogénio e estarmos presentes na oferta dessa commodity. Outra questão é: existindo hidrogénio disponível, poder ir injetando gradualmente hidrogénio na rede de gás com os cuidados técnicos inerentes. Outra dimensão que também está na agenda é algum hidrogénio também para a mobilidade e, em particular, para equipamentos de mobilidade que não são facilmente satisfeitos com as soluções atuais no mercado. Isto é um processo gradual e só depois da maturidade é que se pode olhar para um mercado mais robusto. Porém, queremos investir no hidrogénio, sem a menor dúvida.
Temos a noção que as utilities tradicionais não vão só viver no futuro, quer em margem, quer em termos de serviço ao cliente, a vender eletrões e moléculas de gás. Por todas as transformações que estão a ocorrer, o cidadão é chamado a ter uma atitude ativa na sua solução energética. O caso das comunidades de energia é um bom exemplo do que já temos. Hoje o consumidor é chamado a perceber o contexto em que vive e a ter ferramentas para também ele ser um agente ativo na mudança e transição energéticas. Temos que oferecer ajuda e informação ao cliente, que é também consumidor e cidadão. A Infoenergia é um serviço de consultoria energética que ajuda o cliente a poupar e a otimizar o seu consumo energético.
A mudança das redes é uma peça incontornável e crítica em todo o desafio de transição energética
Quem está direta e indiretamente nesta área, têm o desafio da vida. Tudo tem que mudar. Politicamente está assumido, a nível das instâncias internacionais, a nível da União Europeia e dos governos nacionais, que este processo de transição energética e clima é o foco, agora catalisado com a pandemia. Temos de mudar tudo, o mix de geração, a infraestrutura, o conceito, a relação entre fornecedores e consumidores. Não há possibilidade de colocar todo este conceito de transição a funcionar se não houver uma reconversão profunda do modelo e do hardware (equipamentos). Não estamos numa situação de velocidade de cruzeiro, estamos numa situação de transformação. É daqui que partimos e é aqui que se encontra o grande desafio!
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