Artigo publicado na edição n.º 312 da Revista O Instalador
Na ausência de barreiras físicas e técnicas, esta ‘livre circulação’ tem aumentado a olhos vistos, facto que a globalização dos mercados internacionais tem fomentado a circulação de lixo entre países fora da Zona Euro, o que tem levado a um período de quase ‘normalização’ desta prática de exportação/importação no mercado internacional. Como em tudo nesta vida, o que dita a tendência dos mercados é o preço, pelo que as escolhas e as políticas de gestão de resíduos, há muito que deixaram de estar em conformidade com os princípios da proximidade ou com a hierarquia de gestão de resíduos.
Se recuarmos 25 anos atrás verificamos a quase inexistência de destinos adequados e licenciados em território português para encaminhar, por exemplo, resíduos perigosos. A única hipótese possível para este tipo de resíduos é a exportação para outros países. Preparar e equipar o País com infraestruturas adequadas para o tratamento e eliminação dos resíduos, por forma a obter uma pequena amostra do que é produzido, era sujeito a um processo rigoroso de classificação e análise, para futura exportação. Os resíduos eram maioritariamente encaminhados para tratamento ou valorização, apenas os não recuperáveis seguiam para aterros especiais. Com o arranque do funcionamento dos CIRVER (Centros Integrados de Valorização de Resíduos Perigosos) – com duas unidades a funcionar na Chamusca que oferecem um conjunto de soluções tecnológicas que permitem valorizar ou depositar em aterros para resíduos perigosos, a quantidade de resíduos que saiu do País diminui substancialmente. Para controlar, de alguma forma, esta circulação, a legislação portuguesa apela ao critério da proximidade e da hierarquia de gestão de resíduos, que define que numa primeira escolha na resposta a dar destino aos resíduos, deverá considerar-se a localização das instalações.
Isto tudo seria positivo se acreditássemos que estamos a falar da promoção do desenvolvimento económico, social e ambiental de cada país recetor. Não tenhamos qualquer dúvida, na maioria das vezes, o lixo circula entre países, não porque os países de origem não têm destinos tecnicamente adequados, ou porque o objetivo é encaminhar para um destino ambientalmente mais adequado, mas porque o objetivo é fazer negócio e obter lucro. É justo este objetivo, desde que se perceba que o lixo não pode ser encarado apenas como uma ‘mercadoria’. Ao contrário de matérias primas com perigosidade que requerem um manuseamento especial, que são bem-vindas nos países recetores porque irão dar origem a produtos de valor acrescentado, o lixo, tal como a própria definição que a legislação lhe atribuí é ‘alguma coisa que o detentor se quer ver livre’.
Nem mesmo a pandemia da Covid-19 afetou esta tendência de varrermos para debaixo do tapete dos outros o nosso lixo. O problema é quando o vizinho não tem meios para varrer esse mesmo lixo. Esta é uma das tendências do crescimento económico e da globalização que levaram a um aumento mundial do transporte de resíduos através das fronteiras, por via rodoviária, ferroviária e marítima.
Os resíduos contêm matérias-primas secundárias valiosas. O comércio de resíduos pode ter um impacto positivo na economia, mas o movimento descontrolado de resíduos perigosos, muitas vezes tóxicos ou cancerígenos, pode ter consequências ambientais e sociais desastrosas. Este tipo de Resíduos provenientes de países da Europa, ou de outros países desenvolvidos, têm vindo, em algumas situações, a ser “despejados” em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, colocando em risco, em várias ocasiões, a saúde e os habitats destes locais.
Mas esta tendência de ‘empurrar’ os resíduos para o país vizinho, para o país com destinos mais baratos, ou mesmo com melhores ‘valores de mercado’ tem vindo a ser colocado em causa pela população mundial. São muitos os movimentos de cidadãos que se têm revoltado com esta situação de injustiça social e ambiental, promovendo ações de manifestação ou apresentando o seu descontentamento. Portugal foi um destes casos, com os movimentos sociais a manifestarem o seu descontentamento na receção dos resíduos provenientes de países como Itália, onde a estratégia de gestão de resíduos praticamente inexistente, obrigou-os a distribuir o seu lixo (sem qualquer separação e triagem) pelos países com ofertas quase 'promocionais'.
Assiste-se nestes últimos dias a um fechar de ‘portas’ por parte da Grécia ao ex-Navio Aeródromo (NAe) São Paulo, da Marinha Brasileira, carregado de amianto a bordo, que numa coletiva e firme posição mundial, obrigaram a que esta embarcação regressasse ao Brasil, pela falta de cumprimento da Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, nomeadamente no que respeita à apresentação do respetivo ‘Inventário de Materiais Perigosos’, validado por testes de laboratório. Por acaso foi a Turquia a ter esta posição consciente, caso tivesse sido um qualquer país do Sudoeste Asiático este caso não teria tido este desfecho, e estaríamos a assistir, provavelmente, a um ‘assassinato coletivo’.
* Especialista na área dos Resíduos e Ambiente
Doutoranda em Engenharia do Ambiente no IST
Fundadora e Coordenadora do SOS AMIANTO
Autora do livro 'Não Há Planeta B: Dicas e Truques para um Ambiente Sustentável'
Conselheira do CES - Conselho Económico e Social, pela CPADA, em representação das Associações Nacionais de Defesa do Ambiente
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