Em 50 anos tudo mudou. O Planeta mudou, a economia mudou, a vida mudou, as pessoas mudaram, os hábitos mudaram, o turismo mudou, mas o projeto do novo aeroporto internacional de Lisboa continua o mesmo!
Os riscos são reais e à escala global. A floresta Amazónia enfrenta constantes ameaças, as calotas de gelo da Antártica e da Gronelândia estão em risco eminente, a grande barreira de corais apresenta cada vez mais os efeitos destruidores da poluição e o deserto do Saara já mostra mudanças significativas.
É que passados estes 50 anos a pergunta que deveríamos estar a colocar sobre a mesa das decisões deveria ser: vale a pena construir uma nova infraestrutura, com todas as infraestruturas necessárias para garantir o funcionamento do novo aeroporto numa realidade económica e num planeta diferente, em que urge a necessidade de ação nas políticas e nas estratégicas de uma sustentabilidade mais corporativa?
Curiosamente a ONU e a Comissão Europeia apontam para uma política de um turismo sustentável, em que Portugal subscreveu, assumindo o compromisso de adequar este setor com as melhores práticas disponíveis, em diversas questões, como o uso adequado dos recursos naturais e ambientais, o respeito pela autenticidade sociocultural das comunidades locais, potenciar a sustentabilidade económica das diferentes atividades turísticas e assegurar que estas atividades são economicamente viáveis a longo prazo.
Em Portugal, a Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas 2020 (ENAAC) estabelece os objetivos e o modelo para a implementação de soluções para a adaptação de diferentes sectores aos efeitos das alterações climáticas, onde se inclui os transportes. A mobilidade tem sido responsável por 24,5% das emissões de GEE, pelo que a aposta na eletrificação e na ferrovia têm sido medidas apontadas como soluções.
Mas se a aposta é a ferrovia, se a dimensão de Portugal coloca as outras infraestruras aeroportuárias já existentes a uma distância reduzida de Lisboa, se o objetivo é apostar no turismo sustentável, porque tanta resistência em manter uma obra que está “desatualizada”?
Por outro lado, Lisboa é uma das capitais que, à semelhança de muitas outras capitais europeias, que sofria e voltou a sofrer (após confinamento) com o overturismo (turismo excessivo ou turismo de massa). O overturismo tem sido um dos maiores problemas sociais, ambientais e diria económicos do setor do turismo. Afasta as comunidades locais dos centros das cidades, desgasta os locais de interesse arquitetónico e cultural, subcarga os meios naturais, polui zonas sensíveis, e na grande maioria das vezes a contrapartida financeira é muito reduzida face ao efeito que o mesmo provoca.
Foi com base neste efeito observado ao longo destes últimos 50 anos que muitas cidades e locais de interesse turístico têm assumido a política de aceitar só “um número limitado de visitantes” por dia. Na Tailândia ou nas Filipinas, por exemplo, ilhas e pedaços de costa foram fechados por meses e até anos, para garantir a sua reconstituição e dos recifes de corais, bem como regenerar as áreas sensíveis e os ecossistemas. Por outro lado, Barcelona ou a ilha Grega de Santorini também já estão a restringir o acesso. Mas não acaba por aqui. Amesterdão e Veneza equacionam rever o modelo turístico, promovendo outros destinos dos seus países, assim como a aplicação de taxas diárias, para reduzir o overturimo. Esta mudança e reviravolta de paradigma no setor do turismo vem com um forte sentimento ecológico, que cada vez se sente mais e que é cada vez mais forte nestas regiões.
Este é o momento para analisar os efeitos do overturismo e repensar novas formas de contorná-lo no futuro a curto e médio prazo, fator que é incompatível com um modelo da construção de um projeto de raiz, destruindo todas as edificações, infraestruturas e redes de mobilidade existentes. A sustentabilidade deste setor é um caminho incontornável. Aqui o objetivo da sustentabilidade tem sido já assumido por muitos agentes turísticos, devido às preocupações e exigências dos próprios turistas, assim como através da lei da oferta e da procura, considerando a integração da responsabilidade ambiental e social nos seus espaços e serviços, tendo em conta quer as necessidades dos visitantes, quer os benefícios das comunidades locais com a minimização dos impactes ambientais, económicos e sociais no presente e no futuro.
Mas apesar da palavra de ordem ser a “mudança” continuamos a assistir a anúncios da construção de uma mega infraestrutura de raiz, com os argumentos ambientais e da necessidade de melhorar a segurança da população, sabendo que esta nova infraestrutura aeroportuária nunca será uma solução sustentável e que os riscos e os impactes serão apenas transferidos para outra localização, provavelmente mais vulnerável que as atualmente existentes, onde as construções de forma alguma estão ajustadas à coexistência com a proximidade com um aeroporto desta dimensão.
O futuro do aeroporto internacional de Lisboa deverá passar, inevitavelmente, pela definição de uma política sustentável de turismo e mobilidade, em que o equilíbrio com a ferrovia seja central
Não pode continuar a ser a justificação para avançar para uma obra desta dimensão, centralizada na região de Lisboa, num país pequeno., nem irá promover formas de mobilidade sustentável.
É preciso olhar para o país como um todo, respeitar a sua dimensão e os seus recursos, reabilitar e reativar infraestruturas já existentes, restruturar voos e ajustar algumas rotas, retirar voos militares e privados da capital, assim como as low cost ou os charters desviando-os para outros aeroportos de apoio fora de Lisboa, à semelhança da maioria dos países europeus (existem diversos a menos de 1hora de Lisboa). O futuro do aeroporto internacional de Lisboa deverá passar, inevitavelmente, pela definição de uma política sustentável de turismo e mobilidade, em que o equilíbrio com a ferrovia seja central.
Há mais do que evidências de que esta obra não deverá fazer parte das nossas prioridades. Após dois anos a enfrentar uma pandemia, a Europa vê-se a braços com uma guerra, em que o final de qualquer uma destas situações parece estar num horizonte longínquo, mas com efeitos imediatos. Esta combinação “pandemia” e “conflito armado”, tem tido uma consequência direta naquilo que são os três pilares da sustentabilidade: Economia, Social e Ambiente. Se vivemos momentos muito difíceis do ponto de vista financeiro, com o aumento dos preços dos bens e recursos, com a escassez do fornecimento das matérias-primas e com o aumento da inflação, é certamente a vertente social a mais afetada.
As dificuldades financeiras e humanitárias que atualmente vivemos irão perpetuar-se no tempo com os diversos constrangimentos na vida da população, que mesmo com um grande esforço e com apoio social, poderão não conseguir ser minimizados ou ultrapassados.
Não tenhamos dúvidas, Portugal esconde atualmente uma situação de luta pela sobrevivência financeira, por garantir o mínimo das condições que satisfaça o bem-estar social, a promoção e proteção da saúde, assim como o fornecimento dos bens elementares à população.
O empenho é necessário para a mudança, quer em termos da urgência nas estratégias, quer na concretização de Políticas Ambientais ou metas estabelecidas, que muitas vezes poderá ser dificultado pelos constrangimentos mundiais. Em 50 anos muita coisa mudou, o Planeta não é o mesmo, mas a vontade de mudança política e ajuste às necessidades atuais talvez, ainda não tenha percebido esta necessidade de mudança.
* Especialista Sénior em Sustentabilidade (Gestão de Resíduos e Ambiente)
Doutoranda em Engenharia do Ambiente no IST (investigadora na área do amianto)
Fundadora e Presidente da SOS AMIANTO - Associação Portuguesa Contra o Amianto
Autora do livro “Não Há Planeta B: Dicas e Truques para um Ambiente Sustentável”
Conselheira do CES - Conselho Económico e Social, pela CPADA, em representação das Associações Nacionais de Defesa do Ambiente
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