2023 fechou com chave verde
Mariana Cruz de Carvalho (APREN)04/03/2024
No ano passado a percentagem de incorporação renovável na produção de eletricidade atingiu um máximo histórico de 70,7%.
Como consequência das condições meteorológicas, que classificaram 2022 enquanto ano seco1, a produção de eletricidade a partir das centrais hídricas sofreu uma redução significativa, contribuindo apenas para 14% da geração para Portugal continental. Ainda assim, a heterogeneidade e complementaridade do setor elétrico português demonstrou, mais uma vez, a importância do seu papel, ao assegurar mais de metade da geração de eletricidade a partir de fontes de energia renovável (FER), mais concretamente 57,2%.
Já em 2023, as renováveis conquistaram novos recordes, como tem sido habitual nos últimos anos, o que levou a máximos históricos. Ao contrário do ano anterior, 2023 foi um ano de elevada produtibilidade hídrica, resultando num aumento da percentagem de incorporação desta fonte na produção de eletricidade, de 14% para 27%. Já a energia eólica manteve o seu contributo de cerca de 29%, continuando a ser a fonte de produção de eletricidade mais representativa pelo terceiro ano consecutivo.
Paralelamente, a energia solar sofreu um incremento histórico tanto ao nível de capacidade instalada como, consequentemente, de eletricidade produzida. Durante o ano findado, esta fonte assegurou uma incorporação de 8,2% da geração de energia elétrica, tornando-se a terceira fonte renovável mais representativa, fruto do aumento significativo da capacidade instalada de centros electroprodutores solares fotovoltaicos.
Pela primeira vez, o setor solar ultrapassou 1 GW de potência instalada, em menos de um ano. Entre janeiro e novembro, foram instalados 1 053 MW, dos quais 580 MW foram em unidades de produção para autoconsumo2, faltando ainda conhecer os dados referentes ao último mês do ano. Cumulativamente, a solar no fim do ano rondada os 4 GW instalados.
Todos estes fatores contribuíram para que a percentagem de incorporação renovável na produção de eletricidade atingisse um máximo histórico de 70,7% durante o ano de 2023. Destacam-se três meses do ano, nos quais, a incorporação de FER superou os 80%, tendo estes sido janeiro, novembro e dezembro, com 84,4%, 83,4% e 81,3% respetivamente.
Aponta-se ainda para o marco histórico verificado no início do mês de novembro, concretamente de 31 de outubro a 6 de novembro, onde foram registadas 149 horas consecutivas nas quais a eletricidade de FER superaram as necessidades de consumo de Portugal continental, representando um recorde de horas 100% renováveis sem interrupções.
A acentuada produtibilidade hídrica e eólica veio, mais uma vez, sublinhar a resiliência do sistema elétrico nacional face a elevados níveis de incorporação renovável. Foi neste sentido que o Governo português estipulou, na revisão do seu Plano Nacional para a Energia e Clima para 2030 (PNEC 2030), uma meta de 85% para a quota de energia renovável no consumo final de energia elétrica.
Acrescenta-se ainda que estes 85% não contabilizam o consumo de eletricidade para produção de hidrogénio, por não estar ainda definida uma metodologia europeia para tal. Considerando essa componente do consumo e o sistema elétrico como um todo, esta quota é equivalente a 90%3.
Para que esta meta seja concretizada, são apontadas capacidades de instalação até 2030 bastante ambiciosas, totalizando 42 GW de potência renovável2, mais que duplicando a potência renovável instalada atual1. Cerca de metade da capacidade prevista irá depender exclusivamente da tecnologia solar fotovoltaica, com 14,9 GW de potência centralizada e 5,5 GW descentralizada2.
Como tal, será necessário assegurar a adaptação do sistema elétrico nacional, de forma a manter a atual resiliência a incorporações renováveis ainda mais elevadas que as que temos. É, então, necessário apostar em sistemas de flexibilidade, desenhados para a prestação de serviços de diferentes tipo de tecnologias, de forma a assegurar um equilíbrio na distribuição da geração eletricidade renovável a curto, médio e longo prazo, salvaguardando horas do dia de menor produção renovável e também permitindo uma gestão sazonal.
Apesar do armazenamento em baterias estar previsto como solução a incorporar nos próximos anos, as centrais hídricas reversíveis têm vindo a assegurar a flexibilidade do sistema em Portugal desde 1964, pela instalação da primeira central hídrica reversível – a central hidroelétrica do Alto Rabagão. Prevê-se no PNEC 2030 que a capacidade de armazenamento aumente, tanto para a bombagem, como para o armazenamento em baterias. No entanto, a aposta será apenas de 0,3 GW, somando um total de 3,9 GW de capacidade hídrica reversível, e 1 GW para armazenamento em baterias.
Por último, o PNEC 2030 prevê ainda uma capacidade de hidrogénio renovável de 5,5 GW, sendo que o papel de equilíbrio mais importantes do hidrogénio verde é no “acoplamento setorial”, que envolve a integração dos setores de fornecimento de energia e de utilização final e assim, a descarbonização de setores que não são passíveis de eletrificar diretamente.
Porém, o hidrogénio verde pode também ser atraente para armazenamento de energia sazonal ou de longo prazo, uma vez que o hidrogénio armazenado adequadamente não se dissipa com o tempo e pode equilibrar períodos de baixa geração de energias renováveis. Assim, pode vir a ter um papel importante, principalmente como reserva e do segurança do abastecimento, tendo sempre em consideração a eficiência e os diferentes usos do hidrogénio renovável.
Está a traçar-se um futuro com base na eletrificação direta e indireta dos consumos a partir de fontes de energia renovável, como consequência da transição energética, o que irá aumentar significativamente o consumo de eletricidade. Ainda assim, conclui-se que um valor tão considerável de capacidade instalada renovável como os 42 GW3, está sobrestimado para os consumos futuros, caso não seja devidamente acompanhado de soluções de flexibilidade que criam as condições necessárias para a entrada em mercado de mais tecnologias de armazenamento.
Desta forma, espera-se que os novos recordes das renováveis continuem a superar-se anualmente, ao concretizar as metas propostas. Ainda assim, face ao potencial que Portugal apresenta para as energias verdes, seria irresponsável apostar num investimento para mais de 20 GW de potência, e respetiva infraestrutura de rede necessária, não garantindo a otimização destes recursos através das ferramentas necessárias que tragam equilíbrio e resiliência ao sistema elétrico nacional.
1 IPMA, 2023, Temperatura média do ar e precipitação em Portugal continental entre 1941 e 2022.
2 DGEG, 2024, estatísticas rápidas – n.º 228 - novembro de 2023.
3 Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030) – Atualização/Revisão