Entre os desafios estruturais que Portugal enfranta destacam-se o licenciamentos, o desenvolvimento das redes e a manutenção da atratividade do investimento nas energias renováveis.
“Portugal assumiu o objetivo de atingir a neutralidade carbónica até 2050 […]”. Frases como esta têm dado o mote nos preâmbulos dos diplomas legislativos sobre energia publicados pelo Governo Português nos últimos anos. Não é segredo nenhum que Portugal tem vontade de se destacar na liderança da transição energética na Europa, nem que traçou objetivos ambiciosos no Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC) para 2030: o país pretende aumentar significativamente a sua capacidade instalada de energias renováveis, de quase 20 GW em 20241 para cerca de 44GW até 20302, como parte de um esforço mais amplo para descarbonizar a economia e reduzir a dependência de combustíveis fósseis, em linha com os objetivos definidos no Plano RepowerEU.
No entanto, para que consiga atingir estes objetivos, Portugal terá de (procurar) resolver uma série de desafios estruturais que se lhe apresentam no caminho, nomeadamente, para referir alguns, no âmbito dos licenciamentos, do desenvolvimento das redes e da manutenção da atratividade do investimento nas energias renováveis.
Os processos de licenciamento de centros eletroprodutores de fontes de energia renováveis são complexos e demorados: complexos, porque envolvem licenciamentos elétrico, ambiental e de construção, em parte promovidos junto de entidades diferentes e que nem sempre estão alinhadas nos seus objetivos; demorados, devido à dificuldade em obter uma resposta célere por parte destas entidades.
O governo português, em linha com os mais recentes planos estratégicos da União Europeia em matéria energética, tem vindo a reconhecer estes constrangimentos e a propor soluções de simplificação e aceleração dos processos de licenciamento. Recentes iniciativas legislativas e administrativas, tais como o Decreto-lei n.º 30-A/2022, de 18 de abril, os Simplex Ambiental e Urbanístico, ou, ainda, a criação da EMER 2030 são medidas bem-vindas, mas que podem não se revelar suficientes para despoletar o aceleramento necessário para atingir as metas que foram fixadas.
Com efeito, se, por um lado, muitos dos problemas se resolvem através de reformas legislativas de simplificação, por outro lado, outros requerem uma maior capacitação dos meios da administração pública para fazer face ao crescente volume de pedidos de licenciamento.
Entidades como a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG), a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs), o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e os municípios, para referir algumas das entidades responsáveis pela avaliação e aprovação dos processos de licenciamento, encontram-se frequentemente sobrecarregadas, demonstrando uma capacidade limitada para responder de forma célere e eficaz à quantidade crescente de processos.
Para enfrentar este desafio, é imperativo dotar a administração pública dos recursos necessários para aumentar a sua capacidade de resposta. Este reforço pode passar pela contratação de mais técnicos especializados (algo que já tem vindo a acontecer), mas também por uma progressiva digitalização dos processos e pelo recurso a ferramentas de inteligência artificial na sua avaliação e processamento. A automatização de parte das tarefas administrativas permitirá um acompanhamento mais rigoroso e em tempo real dos processos que se encontram em curso, concentrando e facilitando as interações entre os promotores e a administração pública e oferecendo uma maior transparência ao longo de todo o processo.
Por exemplo, o Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, que regula a organização e o funcionamento do Sistema Elétrico Nacional, prevê a criação de uma plataforma eletrónica para a tramitação dos processos de licenciamento. Esta plataforma, que ainda não foi criada, é um bom exemplo de uma oportunidade para incluir algumas destas ferramentas e dotar as entidades públicas de melhores meios para responder às solicitações dos promotores.
No âmbito dos licenciamentos, importa também procurar resolver um certo desalinhamento que se verifica hoje entre os diversos organismos decisores, com competências no licenciamento de projetos, mais concretamente com os objetivos de política energética definidos, quer no contexto nacional, quer europeu.
A rede existente enfrenta atualmente algumas limitações na capacidade de receção de nova energia, no fornecimento a instalações consumidoras, como também na cobertura geográfica. Estas insuficiências representam um entrave ao desenvolvimento de novos projetos de energia renovável e ao cumprimento das metas de incorporação de fontes de energia renováveis no mix energético Português: sem redes para transportar e distribuir a eletricidade produzida, não será possível aumentar a produção. Tudo isto, alinhado com o facto de as interligações entre a Península Ibérica e França serem manifestamente insuficientes para se alcançar um verdadeiro mercado interno de energia e posicionar Portugal e Espanha como exportadores de energia limpa para os restantes países da Europa.
Além disso, num país pequeno como é o nosso, em que o território disponível para o desenvolvimento de projetos rapidamente se tornará num bem escasso, a possibilidade de expansão geográfica da rede elétrica pode ser particularmente importante para a escolha de locais para a instalação de centros electroprodutores - especialmente aqueles dos quais resultem menores impactos ambientais -, e para promover uma distribuição mais equilibrada dos projetos no território nacional, reduzindo a pressão sobre determinadas áreas do país.
Por último, importa abordar o problema da atratividade do investimento no setor das renováveis. Como todos os projetos que envolvem Project Finance, a atratividade de um projeto é aferida com base no seu potencial para gerar os fluxos de caixa necessários para reembolsar o investimento inicial que nele foi realizado.
É consabido que aos preços da eletricidade no mercado está associada uma variabilidade que, no caso do mercado ibérico grossista, tem levado estes preços a atingir níveis baixos históricos3. Isto sucede porque o mercado ibérico de eletricidade, à semelhança dos outros mercados europeus, segue um modelo marginalista.
Neste modelo, a eletricidade é remunerada com base nos custos variáveis da tecnologia que fecha o encontro entre a oferta e a procura, o que cria desafios significativos para a integração das energias renováveis, que têm uma estrutura de preços diferente da geração com base em combustíveis. Ao contrário dessas fontes convencionais de energia, as energias renováveis não têm custos variáveis significativos, mas sim custos fixos elevados associados ao capital inicial investido.
Assim, os atuais preços finais do mercado não refletem necessariamente os custos fixos dos projetos de energia renovável (chegando a ser negativos), o que leva os investidores a enfrentarem incertezas significativas quanto à recuperação do capital investido.
Um dos desafios com que os decisores políticos se irão deparar nos próximos anos será, portanto, o de adequar o mercado de eletricidade por forma a melhor adaptá-lo à crescente participação das fontes de energia renováveis, através da criação de mecanismos de mercado que garantam preços mais estáveis e previsíveis e pela introdução de mecanismos remuneratórios que reflitam os custos reais dos projetos, por exemplo o apoio à celebração de contratos de compra e venda de energia de médio/longo prazos.
1 Estatísticas Rápidas das Renováveis – junho 2024 (DGEG), disponível em: Renovaveis-202406.xlsm (dgeg.gov.pt).
2 Proposta em consulta pública do PNEC 2030, disponível em: Plano_Nacional_Energia_Clima_2030_PNEC2030_julho_2024.pdf (participa.pt).
3 “Preço da eletricidade no mercado ibérico cai para um mínimo de 10 anos” (Expresso – 08.03.2024), disponível em: https://expresso.pt/economia/economia_energia/2024-03-08-Preco-da-eletricidade-no-mercado-iberico-cai-para-um-minimo-de-10-anos-3ac8b92e
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