Portugal tem ainda um longo percurso pela frente, no entanto, 2030 está aproximadamente a uns curtos cinco anos de distância.
De forma a materializar o compromisso assumido em 2016, de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, o Governo português começou por publicar o Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 (RNC 2050)1. Este roteiro veio estabelecer metas ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito de estufa para Portugal, apontando para uma diminuição entre 85% e 90% até 2050, em comparação com os níveis de 2005. Foram também definidas trajetórias específicas para 2030 e 2040, com reduções entre 45% e 55% e entre 65% e 75%, respetivamente.
Posteriormente, considerando o contexto europeu refletido na Diretiva Europeia das Renováveis publicada em 2018 (RED II)2 e a obrigatoriedade prevista no Regulamento (UE) 2018/1999 de que todos os Estados-Membros devem elaborar e apresentar à Comissão Europeia (CE) um Plano Nacional Integrado de Energia e Clima para o período de 2021 a 2030, Portugal desenvolveu o Plano Nacional Energia e Clima 2021-2030 (PNEC 2030)3, em consonância com os objetivos do RNC 2050.
O PNEC 2030 traduz-se no principal instrumento de política energética e climática nacional para a década atual, que procura garantir uma transição eficaz e sustentável para um futuro neutro em carbono.
Dado o significativo período de aplicabilidade, a CE exige que todos os Estados-Membros apresentassem um relatório de progresso a cada dois anos, sendo que, para junho de 2023, cada país teria de submeter a sua revisão ao respetivo Plano. Esta revisão pretendia também assegurar a concordância com as novas metas definidas pela União Europeia (UE), de forma a garantir o contributo de cada nação para os desígnios da UE para a transição energética.
Foi então submetido o projeto de atualização do PNEC 20304, para o qual a CE apresentou o seu parecer e recomendações5, devendo os Estados-Membros apresentar os seus PNEC 2030 atualizados finais, tendo em conta a avaliação e as recomendações da Comissão, até 30 de junho de 2024.
No seguimento da mudança governativa em Portugal, a proposta de revisão final do PNEC foi apenas apresentada no passado dia 22 de julho, ao ser colocada em Consulta Pública6 para recolha de parecer de todos os interessados até dia 5 de setembro. Nesta versão foram registadas alterações relevantes nas metas a atingir e em parte das medidas a aplicar, no entanto, da análise realizada, considera-se que a proposta necessita de melhorias e alterações, com o intuito de tornar o Plano mais claro e objetivo para todos os envolvidos no setor, e de reforçar áreas e medidas fundamentais para atingir as novas metas estabelecidas.
É evidente que esta revisão do PNEC está alinhada com o potencial que Portugal apresenta para o setor renovável e ficou espelhada, nas metas propostas, a ambição de destacar o contributo nacional para os objetivos europeus. Das metas revistas, destaca-se o grande desafio de elevar a incorporação renovável na eletricidade dos anteriores 80% para 93%7.
Para tal, será necessário alcançar as novas metas de capacidade instalada em 2030, que, por si só, exigirão que o setor enfrente uma árdua jornada, considerando os obstáculos sentidos atualmente. Dentro de um total de 43 GW de potência renovável, destaca-se a meta apontada para a tecnologia solar fotovoltaica de 20,8 GW até 2030, dos quais 5,7 GW serão de potência descentralizada, sendo que à data de julho deste ano Portugal totalizava cerca de 5 GW de potencia centralizada e descentralizada.
Por outro lado, é importante acautelar alguns dos desafios que a potência apontada para a tecnologia solar pode acarretar. Destaca-se a ocorrência de preços negativos, já verificados em 2024, que tem impacto no valor económico das centrais em mercado, em certas horas do dia. É urgente implementar medidas que promovam tecnologias associadas a uma gestão mais flexível e eficiente da rede, garantindo a integração e acesso a todos mercados por parte destes projetos de forma a assegurar a respetiva bancabilidade e viabilidade de desenvolvimento.
Paralelamente, e considerando as elevadas metas de potência renovável, é apontado apenas 1 GW de armazenamento em baterias, o que será claramente insuficiente para garantir a resiliência e flexibilidade do sistema elétrico nacional. Este tipo de sistemas tem potencial, em conjunto com instalações fotovoltaicas e eólicas, para contribuir significativamente para a redução de necessidade de curtailment por restrições de rede.
Assim, sublinha-se a importância e urgência de criação de um enquadramento regulatório favorável à instalação de sistemas de armazenamento e mecanismos de estabilidade remuneratória que incentivem a sua implementação.
Também o hidrogénio verde, enquanto vetor energético, terá um papel fulcral na transição energética, sobretudo em setores cuja eletrificação direta não é possível. No entanto, o objetivo de instalar uma capacidade de 5,5 GW de eletrolisadores, referido na anterior versão do PNEC 2030, foi revisto para 3 GW, sem esclarecimento quanto ao ajuste na ambição.
Apesar de se considerar uma meta realista, continua a necessitar de um quadro legal e regulamentar estável e previsível que considere o estado atual de desenvolvimento e promova o investimento, assim como incentivos ajustados às condições do mercado.
De forma genérica, considera-se que, apesar desta proposta de Plano incluir um conjunto de medidas estruturadas e quantificadas, seria expectável que o documento apresentasse a análise dos impactos esperados da implementação do plano em termos socioeconómicos e ambientais. Adicionalmente, considera-se que, entre as várias áreas em desenvolvimento, o PNEC deveria apresentar as ferramentas necessárias ao planeamento faseado e evolução das mesmas.
Destas, é de sublinhar que as linhas de atuação e medidas preconizadas não refletem a transposição da RED III, que veio introduzir um conjunto de disposições de carácter de urgência para o licenciamento, sendo este um ponto crítico e entrave ao cumprimento das metas. O PNEC 2030 necessita de impor linhas de atuação responsáveis e de curto prazo de implementação para garantir o sucesso da transição energética, tendo em conta as especificidades do território nacional, promovendo a multiplicidade de usos e uma integração que, ao mesmo tempo, garanta a proteção do ambiente e das comunidades locais e assegure a celeridade necessária ao licenciamento dos projetos.
Paralelamente ao processo de licenciamento, outro entrave significativo ao desenvolvimento de projetos prende-se com a escassez de rede elétrica que permita a ligação de novas centrais. É crucial assegurar a modernização da infraestrutura de rede, no entanto, considera-se que as linhas estratégicas e de atuação apresentadas são muito genéricas e aquém do necessário, devendo existir uma correlação objetiva com os novos planos de rede de desenvolvimento e investimento dos operadores de rede e indicações que refletissem as necessidades de adaptar os mesmos às novas metas de descarbonização.
Desta forma, tal como indicado pela CE8, ressalva-se a necessidade de definir um quadro facilitador da antecipação de investimento em zonas de implantação de energias renováveis e armazenamento, juntamente com procedimentos de licenciamento simplificados para esses projetos de rede, para acomodar novas fontes de flexibilidade e de energias renováveis no sistema de acordo com as metas estabelecidas.
Sublinha-se ainda que, nesta fase, era também expectável uma análise mais aprofundada do desenvolvimento e investimento da rede offshore e os necessários reforços para assegurar a sua ligação à rede existente onshore, dada a previsão para o primeiro leilão e pela complexidade inerente do ponto de vista infraestrutural, económico-financeiro e ambiental.
A APREN apresentou a sua resposta à consulta pública a esta nova versão do PNEC 2030, na qual enumerou exaustivamente quais as linhas de atuação e medidas que carecem de detalhe e maior especificidade nos prazos de implementação, na perspetiva de elevar o PNEC ao seu máximo potencial enquanto guia para a transição energética nas várias dimensões que alcança. Portugal tem ainda um longo percurso pela frente, no entanto, 2030 está aproximadamente a uns curtos cinco anos de distância.
1 Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2019, de 1 de julho.
2 Diretiva (UE) 2018/2001.
3 Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2020, de 10 de julho.
4 https://www.dgeg.gov.pt/media/vedhi5t1/pnec-pt_template-final-vers%C3%A3o-final_30_06_2023.pdf
6 https://participa.pt/pt/consulta/plano-nacional-energia-e-clima-2030-pnec-2030
7 Este valor não considera o consumo de eletricidade para produção de hidrogénio, por não estar ainda definida uma metodologia europeia para tal (no âmbito dos SHARES, do Eurostat).
8 Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões, “Redes, o elo que falta: Um plano de ação da UE para as redes”, de 28 de novembro de 2023.
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