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Os benefícios do mercado ibérico da eletricidade

Mariana Cruz de Carvalho (APREN)02/12/2024

Portugal e Espanha uniram esforços para assegurar as condições entre ambos os sistemas elétricos, e em 2007 o Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) começou a funcionar. A criação do MIBEL representou um avanço importante na convergência física, económica e regulatória dos mercados de eletricidade e trouxe vantagens aos consumidores de ambos os lados da fronteira.

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Na década de 90, a Comissão Europeia deu o mote para o início da criação do mercado único de eletricidade, respondendo ao Tratado que institui a Comunidade Europeia. No primeiro pacote energético, foi apresentada a liberalização do mercado de energia na Europa, através da publicação da Diretiva 96/92/CE1, de forma impulsionar a competitividade da União Europeia e a livre concorrência do setor, bem como garantir uma maior transparência dos preços aos consumidores finais.

Posteriormente, esta diretiva foi revogada pela Diretiva 2003/54/CE2 que veio ampliar as medidas de liberalização ao introduzir regras mais rígidas para separar (unbundling) as atividades de geração, transmissão, distribuição e fornecimento de eletricidade, promovendo uma maior concorrência e transparência no mercado.

Portugal e Espanha uniram esforços neste sentido, para assegurar as condições entre ambos os sistemas elétricos, e em 2007 o Mercado Ibérico de Eletricidade (MIBEL) começou a funcionar. A criação do MIBEL representou um avanço importante na convergência física, económica e regulatória dos mercados de eletricidade e trouxe vantagens aos consumidores de ambos os lados da fronteira.

A nível operacional, o foco passou por melhorar a coordenação entre os operadores de rede e ampliar a capacidade de interligação, que seria uma ferramenta essencial para o equilíbrio entre os dois países.

Desde então, tem havido um investimento na evolução da capacidade da interligação disponível para fins comerciais, nos sentidos importador e exportador, como é possível observar nas figuras seguintes. Face à capacidade de interligação disponível, tem-se verificado um fluxo de importações e de exportações entre Portugal e Espanha quando esta solução oferece benefícios ao sistema, quer do ponto de vista de abastecimento, quer do ponto de vista económico.

Figura 1 - Evolução da capacidade da interligação disponível para fins comerciais – Importação.(Fonte: Dados REN)
Figura 1 - Evolução da capacidade da interligação disponível para fins comerciais – Importação.(Fonte: Dados REN).
Figura 2 – Evolução da capacidade da interligação disponível para fins comerciais – Exportação.(Fonte: dados REN)
Figura 2 – Evolução da capacidade da interligação disponível para fins comerciais – Exportação.(Fonte: dados REN).

Por outro lado, à medida que o compromisso europeu de descarbonizar o setor energético se tornava mais claro, também os Estados Membros iniciavam um conjunto de ações para contribuir para o desígnio comunitário. No centro da transição energética no setor da eletricidade português estava o abandono da produção a partir de carvão, anunciado ainda em 2017, para ocorrer até 20303, juntamente com o aumento da produção a partir de energias renováveis.

Da mesma forma, também Espanha planeava a independência desta tecnologia, conhecida como o meio mais poluente de produzir eletricidade, dado o fator de emissão associado à queima de carvão e ao rendimento do processo.

Apesar de ter estipulado 2023 como ano limite de fecho das centrais do Pego e de Sines, Portugal antecipou o phase-out destas unidades de produção, tendo a central de Sines sido descomissionada em janeiro de 2021 e a central do Pego em novembro de 2021.

A antecipação deste percurso para a descarbonização do sistema elétrico resultou de uma decisão maioritariamente económica, uma vez que os preços das licenças de emissão aumentaram exponencialmente a partir do fim de 20204, bem como os preços de importação de carvão5, mas também resultante do decréscimo no consumo de eletricidade durante a pandemia de COVID-19. Consequentemente, esta tecnologia deixou de apresentar competitividade no mercado ibérico, não conseguindo assegurar as necessárias horas de funcionamento para ser viável financeiramente.

Figura 3 – Evolução das importações e exportações de eletricidade...

Figura 3 – Evolução das importações e exportações de eletricidade, da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis e da produção de eletricidade a partir de centrais de ciclo combinado a gás natural. (Fonte: centro de informação REN, REN data hub, análise APREN)

A polivalência das tecnologias renováveis que foram sendo instaladas em Portugal ao longo de três décadas, permitiu que o sistema elétrico se tornasse resiliente e apto a assegurar uma parte significativa do consumo em qualquer estação do ano. No entanto, como se pode observar no gráfico acima, 2023 fechou com um máximo histórico de produção renovável (cerca de 31 TWh), resultante do aumento da potência instalada solar fotovoltaica, mas também com um máximo de importações (13,5 TWh). Considerando a redução na produção a partir de gás natural, constata-se que, em várias horas do ano, foi mais sustentável para o sistema importar eletricidade de Espanha para suprir o consumo português em vez de recorrer às centrais a gás natural.
Figura 4 – Diagrama de carga de outubro de 2024. (Fonte: data hub REN, análise APREN)
Figura 4 – Diagrama de carga de outubro de 2024. (Fonte: data hub REN, análise APREN)

Esta realidade resulta da lógica do funcionamento do mercado pela ordem de mérito das tecnologias de geração. Dá-se o exemplo do mês de outubro do presente ano, enquanto informação mais atual, para demonstrar que as importações (cor rosa no gráfico) ocorrem nos momentos em que o preço de mercado se encontra mais baixo (linha vermelha no gráfico), por vezes próximo de 0 €/MWh, ocorrendo também em períodos de bombagem, a qual opera tipicamente em horas de preços mais atrativos, ou seja, que normalmente coincidem com horas de baixo consumo e/ou elevada geração renovável não despachável.

Atualmente, ainda existem algumas centrais a carvão em funcionamento em Espanha, tendo outras sido já descomissionadas. Ainda assim, a ambição foi revista e aponta-se para um descomissionamento de todas as centrais a carvão até 2025.

Apesar disso, o peso destas centrais não é de todo significativo, tendo correspondido apenas a 1,5% da produção de eletricidade em 2023 e 1,1% em 20246. O desenvolvimento da tecnologia solar fotovoltaica em Espanha tem sido um dos alicerces desta transição energética, representando quase 20% da produção de eletricidade aos dias de hoje, que, juntamente com as restantes energias renováveis representaram 59% da geração, enquanto a energia nuclear contou com 21% e os ciclos combinados a gás natural com 10%7, o que corresponde a um decréscimo de cerca de 5% e 40%, respetivamente, face ao período homólogo em 2023. Importa ainda referir que a produção hídrica espanhola registada em 2024 tem sido substancialmente superior à verificada em 2023 (cerca de 70%8), sendo mais um fator favorável ao recurso a importações.

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Adicionalmente, o aumento do fluxo de importações, i.e., da utilização das interligações, tem levado a mais momentos de congestionamento, originando a separação entre os mercados português e espanhol. A percentagem de separação de mercados tem vindo a aumentar, tendo atingido cerca de 7% em 2024, enquanto 2023 registou 5,3% e 2022 3%9 Assim, é possível constatar que a interligação entre Portugal e Espanha traz vários benefícios para ambos os sistemas elétricos e que são necessárias mais infraestruturas de interligação para aumentar a capacidade de importação e exportação.

Neste sentido, está a decorrer um projeto que contempla o desenvolvimento um eixo entre Beariz – Fontefría – Ponte de Lima, que irá possibilitar uma redução dos custos variáveis de geração de 4 M€/ano a 29 M€/ano no horizonte 2030. É importante que os benefícios desta cooperação peninsular, concretizada pelo MIBEL, sejam evidentes e que seja claro que não é benéfico, nem sustentável, abdicar de importações e priorizar produção nacional a partir de combustíveis fósseis.

No setor da eletricidade, o caminho para a transição energética dá-se com a aposta em renováveis, flexibilidade de rede e uma visão comunitária para atingir as metas nacionais e europeias.

1 Diretiva 96/92/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de dezembro de 1996 que estabelece regras comuns para o mercado interno da eletricidade.

3 https://gasurvey.gemius.com/recruiting/index.php?sid=47427&g=6329&o=3376198&id=qq_FBExEK6Y8QnS1Wr1XCf27&fpc=rBN8AvFCC1h0233VVkFqN5gcG1agYJjlxrEcUOtQHMP.P7&fpd=jornaldenegocios.pt&v=0&c=2&xc=66E60A3F&debugtimes=1730724179819,1730724182252,1730724180865,1730724184214

4 https://energy.instrat.pl/en/prices/eu-ets/

5 ERSE, Commodities

6 A referência a 2024 diz respeito ao período entre janeiro e outubro do referido ano.

7 Red eléctrica, https://www.ree.es/en/datos/generation/generation-structure

8 Red eléctrica, boletín mensual, Septiembre 2024.

9 IESOE, análise APREN.

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