Entrevista a Luís Graça, sócio-gerente da Frostline
“Fazer projetos ou projeções quando o mundo está em ‘ebulição’ é uma lotaria”
Luís Graça, responsável pela Frostline, faz uma viagem ao passado e recorda os anos em que esteve emigrado no Canadá e como surgiu a oportunidade de criar a sua própria empresa. Após ter passado por várias fases, incluindo a exposição a “riscos reais, caloteiros e todo o tipo de gente nada recomendável”, acredita que as dificuldades os tornaram mais fortes e hoje a empresa “está robusta técnica e financeiramente”. Para 2025, o plano passa por “crescer de acordo com as necessidades do mercado, sem entrar em ‘loucuras’”.
Como surge a sua ligação à área da climatização e refrigeração?
A ligação a esta atividade veio através da minha formação na área da refrigeração, inicialmente como ‘aprendiz, em 1977 e, anos mais tarde, como técnico de assistência e manutenção na área da refrigeração. Em 1985, emigrei para o Canadá e desenvolvi atividade na mesma área. Passados dois anos, comecei a desenvolver trabalhos na área da climatização.
A formação, obrigatória no Canadá, no George Brown College – Toronto abriu-me o horizonte e, em 1987, criei o meu primeiro projeto de empresa – Frostline - em Toronto. Até 1993 desenvolvi a atividade de instalação, assistência técnica e manutenção, ano em que recebi um convite da EMIAC (hoje Veólia) para integrar o quadro técnico da empresa, o qual aceitei, dando início ao meu processo de remigração.
Entre 1993 e 1996 desenvolvi atividade profissional direta e indiretamente com a EMIAC e, em 1997, integrei-me no quadro técnico da Woresmar Portugal S.A. De 1997 a 2007 trabalhei na área das pequenas e médias instalações, assistência técnica e manutenção AVAC&R.
Quando e como surgiu a oportunidade de criar a própria empresa?
Em 2006, após uma análise e retrospetiva da atividade da Woresmar, propus alterações estruturais que nunca foram consideradas, nem valorizadas, tendo decidido avançar para um projeto por conta e risco próprios. Após ter selecionado vários nomes para o registo da empresa, e após sucessivas recusas, optei por apresentar Frostline como último recurso, tendo sido aprovado. Assim, em fevereiro de 2007, constitui a Frostline Unipessoal e, mais tarde, Lda., dando início de atividade a 2 de maio de 2007.
Quais as principais dificuldades com que se deparou no início do negócio?
As dificuldades iniciais estiveram relacionadas com o valor do investimento (cerca de 250 mil euros) com empréstimo bancário e garantias pessoais, bem como a procura por clientes e a equipa técnica para o projeto. O primeiro foi conseguido com apoios financeiros, o segundo por contactos anteriormente desenvolvidos (EMIAC e Woresmar) e o terceiro foi possível com colaboradores da Woresmar, que acreditaram nesta alternativa. Em 2009, essa empresa entrou num processo de insolvência, tendo alguns colaboradores sido integrados nos quadros da Frostline.
Quais os objetivos que tinha nessa altura e as principais prioridades?
O projeto era uma continuidade do que tinha sido desenvolvido na Woresmar: pequenas e médias instalações, serviços de assistência técnica e manutenção. As prioridades passaram por ganhar a confiança dos clientes e, na continuidade, desenvolver processos de organização e fazer da Frostline uma empresa de sucesso e referência. Inicialmente éramos dez, alguns anos depois passámos a 30 e hoje estamos perto dos 60 colaboradores. Ou seja, fomos crescendo e adaptando-nos ao mercado, aos clientes e às suas necessidades.
Quais os principais marcos que destaca na evolução da Frostline?
Houve três fases: berço, acidentes e estabilidade. A fase inicial, que nos tornou dependentes de um cliente único, um ‘porto de abrigo’ confortável, mas que nos deixava expostos a riscos acrescidos. Uma segunda fase, que abriu a porta a empresas da área da construção civil e que nos expôs a riscos reais, insolvências, PER, caloteiros e todo o tipo de gente nada recomendável. A terceira fase, depois de ultrapassado o ‘turbilhão’, foi avançar para uma reorganização. A entrada de novos colaboradores permitiu o enriquecimento do corpo técnico e cada um, à sua maneira, acrescentou valor. Hoje, a Frostline está robusta técnica e financeiramente.
Sabendo dos riscos envolvidos desde a criação do projeto, sempre foi uma prioridade o respeito por quem trabalha e a garantia de estabilidade emocional e financeira de todos os colaboradores.
Quais os principais desafios que destaca no setor da climatização e refrigeração e que vão representar um desafio para a Frostline em 2025?
A manutenção da estrutura técnica, bem como a contratação de novos técnicos, formação, estabilidade do mercado e os ‘mil cuidados’ com caloteiros. Além destes pontos, há um que é fulcral: a tentação de não assumir projetos/obras que não acrescentem valor. Este ponto é fundamental para não sermos mais um que apenas olha para a faturação e não vê os resultados. Sabemos que o capital não tem pátria, nem alma e sei que o equilíbrio entre o trabalho e o capital terá de ser a base de tudo isto. Quando não há este equilíbrio, tudo pode correr mal.
Quais as novidades que estão a preparar para próximo ano?
Vamos manter a mesma estrutura, investir na área da formação, continuar a adaptação ao mercado e apostar na digitalização. Queremos crescer de acordo com as necessidades do mercado, não entrar em ‘loucuras’ e, acima de tudo, manter esta relação com os clientes, parte fundamental da nossa atividade. Fazer projetos ou projeções quando o mundo está em ‘ebulição’ é uma lotaria.
De que forma as novas diretivas da EU, como a EPBD, vão interferir com os instaladores?
Vão interferir e muito, contudo, a Europa não é um planeta. Concordo com todos os planos e projetos para a descarbonização, mas de nada nos valem quando do outro lado do mundo, ou mesmo aqui ao lado desta Europa, ninguém faz nada para mudar esta nossa forma de consumir os recursos. Voltamos ao mesmo, o capital e o trabalho, a falta de equilíbrio vai trazer problemas sérios
Por outro lado, há um fator que me preocupa: a relação entre os instaladores e os fabricantes/distribuidores. A continuidade e sobrevivência dos instaladores está totalmente dependente desta relação. Sem ela, e sem critérios pré-definidos para esta relação comercial, os instaladores deixam de ter estrutura técnica e menos mercado para manter a sua atividade. Os fabricantes/distribuidores continuarão a vender os seus produtos, direta ou indiretamente, a quem lhes paga, e os instaladores, se não estiverem protegidos e apoiados pelas marcas, acabam. Passamos a ter ‘penduradores’ de máquinas ou empresas de cedência de mão de obra.
É um assunto que me preocupa e que devia preocupar todos os que estão envolvidos nesta atividade. Gradualmente, estão a matar o mercado da climatização. Já não basta os certificados, licenças e afins, ainda vamos ter de lidar com estas indiferenças. Compreende-se que haja uma associação de empresários, a APIRAC, que representa 10% do mercado de instaladores, será que a maioria dos sócios instaladores o são para ter apenas e só desconto nos cursos de formação? Onde está a massa critica, onde esta a participação, a cidadania? Existem muitos assuntos para falar, não será numa entrevista que conseguiremos debater todos estes temas e encontrar soluções, é um desafio.
Quais as previsões de volume de negócio para 2025?
O mesmo valor que alcançámos em 2024: 10 milhões de euros (duas empresas, FL1 Instalação e FL2 Manutenção). Se for igual, só posso ficar agradecido.