Márcia Pereira, CEO da Bandora Systems
“Imaginem um técnico de manutenção de um edifício com 40 anos de experiência. Isso já não existe, mas é o que fazemos. Temos quatro décadas de experiência”
O que começou por ser uma ideia de uma engenheira mecânica apaixonada por matemática, meio ambiente e energias renováveis tornou-se num projeto que promete revolucionar o universo AVAC. A Bandora Systems destaca-se por uma abordagem hardware-agnóstica, o que significa que pode ser usada em diversos sistemas, sem substituir os equipamentos existentes. Tudo com a ajuda da inteligência artificial. Fomos conhecer os próximos passos de um projeto cuja palavra de ordem é escalabilidade e que quer passar de um portfolio de 150 edifícios, em 2024, para 600 já em 2025.
Márcia Pereira, CEO da Bandora.
Qual a sua formação?
Sou engenheira mecânica, mas sempre me interessei por questões ambientais, como o problema do ozono e da reciclagem. No entanto, gostava de seguir algo ligado à matemática e à física, pelo que optei pela energia térmica. Como engenharia do ambiente não tinha uma componente deep tech, escolhi engenharia mecânica no ramo de termodinâmica, AVAC, performance energética dos edifícios e energias renováveis.
Sempre se interessou por estas áreas?
Curiosamente, em pequena queria ser escritora e até optei por artes, pois na altura era possível conciliar com disciplinas como matemática e física. No entanto, no final do 12º ano, escolhi engenharia e, em 1999, entrei no Instituto Superior Técnico para um curso predominantemente masculino, mas do qual gostei muito.
Como surgiu o interesse pelas energias renováveis?
Senti essa vocação desde a adolescência, pelo que fui selecionando as cadeiras do curso relacionadas com ambiente e energias renováveis. Quando terminei a licenciatura, candidatei-me e fiquei no primeiro programa doutoral do MIT Portugal, na área de sistemas sustentáveis de energia. Foi a primeira edição de um programa de intercâmbio entre várias universidades portuguesas, liderado pelo Instituto Superior Técnico e pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com um intercâmbio com o MIT, em Massachusetts, nos Estados Unidos.
E surgiu a oportunidade de fundar a Bandora Systems?
Os cursos universitários estão muito orientados para trabalhar numa grande empresa, não para se ser empreendedor. Todos os exemplos de empreendedorismo estavam relacionados com consultores ou freelancers, não para gerar riqueza e postos de trabalho. Após uma passagem pela ADENE e pela Glynt, tive uma experiência numa start-up que desenvolvia dispositivos de controlo retomo de iluminação e tudo mudou. Percebi que o produto precisava de ser alavancado com software mais robusto, utilizando tecnologia de inteligência artificial (IA), para passar ao nível seguinte.
Foi daí que surgiu a ideia da Bandora, transportando o conceito para os ares condicionados, que é o que consome mais energia nos edifícios. Estávamos em 2017 e consegui reunir pessoas em várias vertentes: eu, como engenheira mecânica na performance energética nos edifícios, bem como várias pessoas ligadas ao software e data science. Isso permitiu constituir a empresa numa perspetiva de captar financiamento, o que só se verificou em 2020.
O que se destacou no projeto?
O facto de ter reconhecido uma problemática: os consumos energéticos dos edifícios eram muito elevados, mesmo sendo densamente sensorizados com dispositivos que permitiam controlar, de forma automática, os sistemas de AVAC. A resposta era evidente: devia-se ao facto de as equipas de manutenção serem subcontratadas e rotativas, com renovações anuais ou a cada dois anos.
Cada equipa que chega tem de começar tudo de novo, ou seja, não há um conhecimento que permanece no edifício. Situações tão simples como ‘se às 9h00 tenho de garantir as condições de conforto de um edifício de escritórios, a que horas devo ligar o sistema de AVAC para garantir que tenho 21 ou 22°C? ou ‘quanto tempo demora a aquecer um edifício, tendo em conta as condições meteorológicas específicas para aquele dia?’ É isso que fazemos. Sabemos exatamente a que horas devemos ligar ou desligar um sistema de ar-condicionado.
Sem a ajuda da inteligência artificial isso não era possível?
Sem IA não era possível porque iria exigir um conhecimento muito íntimo, que só é obtido com uma pessoa com muita experiência. Aliás, quando tenho de explicar o que fazemos, peço para imaginarem um técnico de manutenção do edifício com 40 anos de experiência. Isso já não existe, mas é o que fazemos. Temos quatro décadas de experiência.
E como recolheram esses dados?
Quando começámos, a primeira pessoa que contratei foi um data scientist, que teve como primeira tarefa analisar toda a informação do nosso primeiro cliente. Mas estávamos a falar de pouco mais do que seis meses de dados, o que não chegava. ‘Como vou conseguir prever a resposta de um edifício só com estes dados’, perguntou-me?
Foi aí que surgiu uma das nossas inovações: desenvolver um modelo digital, um digital twin, para simular esse modelo durante 40 anos, com as condições meteorológicas dessas quatro décadas. E ainda adicionámos pedidos de temperatura, de condições ambientais interiores extremas, ou seja, desde 10°C no interior do edifício até 40°C. Isto para garantir que conseguíamos ter todas as combinações possíveis. Desta forma, conseguimos um modelo com elevada precisão que nos permitia começar, desde o dia zero, a controlar e a otimizar um edifício. Caso contrário, teríamos que esperar anos.
Todas as empresas podem ter este serviço?
Sim porque desenvolvemos esse modelo digital. Trabalhamos desde edifícios muito grandes até restaurantes de cadeias de fast food. O processo é sempre o mesmo e conseguimos, desde o dia zero, começar a controlar sem ter de esperar por dados.
A nível poupança energética, quanto é que uma empresa pode poupar ao ano?
No mínimo conseguimos 40% de poupança, mas temos clientes que já atingiram os 70%. Como a tomada de decisão é ajustada mediante as condições ambientais, meteorológicas e de ocupação, cada mês é diferente. Mas conseguimos sempre gerar um retorno positivo.
É possível ter um edifício 100% sustentável e autónomo, ou seja, com zero de pegada de carbono com a vossa solução?
Conseguimos contribuir para atingir essa meta. Se um sistema da AVAC pode ter 40 a 50% de peso na fatura energética e se conseguimos poupar metade, significa que já conseguimos fazer uma contribuição positiva na anulação do carbono. A contribuição da Bandora não tem um investimento inicial porque vai depender se o edifício já está sensorizado e se os equipamentos permitem uma comunicação através de protocolos standard. Sem isso, não é possível conectarmo-nos ao edifício.
O que fazem quando têm um cliente novo? Qual o vosso modelo de negócio?
Temos uma lista de requisitos que passam pelas plantas do edifício, os últimos 12 meses de fatura energética, o projeto de AVAC e o projeto elétrico para a componente da AVAC, porque também medimos o consumo de energia. Isto porque temos um modelo de negócio baseado na partilha da poupança, ou seja, partilhamos 50% da poupança que gerarmos junto do cliente. Não é um valor fixo, não é uma subscrição e não é por projeto, mas sempre que o cliente poupar, nós faturamos. O nosso compromisso é que, se não conseguimos poupar naquele mês, não vamos faturar qualquer subscrição.
Portanto, se naquele mês a Bandora não conseguir poupar energia, o cliente não recebe uma fatura.
Exatamente. Essa é a nossa proposta de valor e tornou-se no modelo de negócio mais popular da Bandora. Foi totalmente game changer porque começámos a ter muitos clientes a querer esse modelo.
Ainda sobre o nosso modelo de negócio, fazemos uma análise técnica e verificamos se é possível fazer a conexão com o edifício. Em caso afirmativo, colocamos um mini computador com o nosso software, que se conecta ao edifício, e com o qual trabalhamos remotamente. A cada cinco minutos estamos a analisar os dados recebidos e a atuar. É como se estivéssemos a fazer um ajuste fino do funcionamento do edifício.
Em que situações não é possível atuarem?
Por exemplo, com clientes que têm um sistema de AVAC que até nem é muito antigo, mas cujo o fabricante fechou ou foi adquirido por outra empresa e já descontinuou o produto. São situações muito particulares.
Alguns dos elementos da equipa da Bandora Systems, que vai estar a contratar novos colaboradores em 2025.
Fizeram parte da sexta edição do Scaling Up da Unicorn Factory Lisboa. O que isso representou em termos do vosso crescimento?
Foi um reconhecimento do valor e do potencial de escalabilidade do produto para qualquer mercado, qualquer segmento e até mesmo qualquer geografia. Aliás, há duas semanas tivemos a instalar os primeiros projetos na cadeia Dunkin'Donuts nos Estados Unidos.
Como operam a instalação numa geografia remota?
Formámos os técnicos para que possam fazer a instalação e temos várias modalidades. Ou estamos a falar de um prestador de serviços e o cliente é nosso ou é um parceiro que propõe clientes da sua carteira, sendo remunerado por isso.
Já estão nos Estados Unidos e noutros países?
Sim, temos parceiros para o Brasil e Emirados Árabes Unidos.
O vosso objetivo é chegar ao patamar de Unicórnio?
Queremos crescer e levar a empresa o mais longe possível. O objetivo é maximizar o valor da Bandora e pode surgir o interesse numa aquisição prévia à chegada desse valor.
Já teve propostas para adquirir o projeto?
Já tivemos conversas com outras empresas no setor e já tivemos propostas, mas não formais. No entanto, ainda não nos faz sentido, ainda não estamos nessa posição.
A vossa solução é exclusiva para edifícios empresariais ou também querem chegar ao mercado residencial?
O nosso produto foi definido para um mercado empresarial, até porque as poupanças são muito maiores face ao mercado residencial, mas este não está excluído. Sabemos que a oferta e o modelo de negócio terão de ser diferentes, mas a nível tecnológico já estamos a fazer integrações residenciais através de clientes, como resorts com múltiplos apartamentos e vilas. Portanto, ganhamos o fator da escalabilidade que, no caso do segmento doméstico, pode ser a dificuldade a ultrapassar.
Para lá chegar teríamos de ultrapassar um desafio tecnológico, ou seja, perceber como conseguimos atingir de forma escalável - esta é para nós a palavra de ordem - o mercado residencial para que a implementação seja rápida e o menos tecnológica possível. Quase como instalar uma box para a televisão nas nossas casas.
Em relação aos instaladores noutras geografias, com quem trabalham em parceria, querem adotar esse modelo em Portugal?
Ainda não, ou melhor, temos parcerias com empresas que fazem a ponte com os clientes finais. Como o país é pequeno, conseguimos dar resposta, mas a minha visão para um crescimento da Bandora passa por uma venda de canal, através de parcerias técnicas com instaladores de AVAC, empresas de facility management ou até mesmo empresas de projeto. É nossa visão de futuro, chegar ao mercado através de parcerias.
Para o chat GPT, a Bandora é uma empresa conhecida pela abordagem hardware agnóstica, o que significa que pode ser utilizada em diversos sistemas, sem substituir os equipamentos existentes. Está correto?
É isso mesmo. O nosso software trabalha sobre qualquer marca, modelo de equipamento, fabricante ou segmento e a partir do momento em que virtualizamos aqueles dados, o funcionamento e o procedimento é igual. É isso que nos distingue do mercado.
Quais os objetivos para 2025?
Estamos muito otimistas e expectantes com o próximo ano. Mais uma vez destaco a palavra escalar, ou seja, queremos ter um hiper-crescimento de vendas, de operações e até mesmo de internacionalização. Estamos com objetivos muito ambicioso, a partir do momento em que conseguimos os primeiros edifícios e estamos a trabalhar com franchisados com 200 a 400 restaurantes, só no mercado dos EUA. Já temos instaladores formados e treinados para trabalhar com a nossa tecnologia, pelo que acreditamos que 2025 vai ser um ano totalmente diferente. Passámos de nove edifícios em 2023 para mais de 150 em 2024. Para 2025, os objetivos são ainda mais ambiciosos: queremos atingir mais de 600 edifícios na nossa plataforma.
A equipa está muito entusiasmada com o crescimento e temos provas dadas também na área científica. Conseguimos submeter, em agosto, um pedido de patente nacional e, em dezembro, fechámos um pedido de patente a nível europeu. No próximo ano, queremos avançar para um pedido patente internacional e temos um plano de proteção da nossa inovação noutras vertentes.
Porquê o nome Bandora?
Quando precisámos de registar a empresa fiz uma pesquisa num site de criação de acrónimos e coloquei várias palavras-chave: buildings, energia, performance, analytics, data. A junção de letras e sílabas deu origem a várias combinações. Além de Pandora, também foi sugerido Bandona, o que achei interessante. Depois de ter procurado o seu significado no Google, descobri que é um instrumento musical tradicional da Índia, bem como o nome de um vilão na série de animação Power Rangers.