O Relatório de Estado do Ambiente, publicado em 2024, deu nota de que nos últimos 10 anos se verificaram períodos longos de seca meteorológica na região Sul, em especial no Baixo Alentejo e Algarve. Reforçou ainda que, em 2023, estas regiões tinham estado praticamente todos os meses do ano em seca meteorológica e, no período entre abril e agosto, em seca severa a extrema.
Neste mesmo ano, o Governo anunciou as medidas relacionadas com o combate à seca aprovadas em reunião do Conselho de Ministros, dedicadas essencialmente à região do Algarve, onde os níveis de armazenamento de água nas albufeiras estavam abaixo dos 50% e a reposição durante os períodos húmidos era praticamente inexistente, o que gerou consequências de défice contínuo deste recurso.
Por outro lado, os dados apontavam para níveis de armazenamento de águas subterrâneas extremamente baixos, onde o armazenamento estavam abaixo do percentil 20. Neste período, acendeu-se o alerta vermelho relativamente à situação da região algarvia, o que levou à necessidade de aplicar medidas extraordinária e ações que sustentassem uma maior eficiência, poupança e racionalização das reservas de água (quer as superficiais, quer as subterrâneas).
Esta situação de escassez, ainda que possa parecer sempre uma surpresa, não é novidade e já estava referenciada pelos cientistas como uma das consequências provocadas pelas alterações climáticas, principalmente para a zona do Algarve e Alentejo.
Um dos maiores problemas da atualidade, que tem mobilizado praticamente todas as nações mundiais, são precisamente as alterações climáticas. À medida que os sinais das alterações climáticas têm sido cada vez mais presentes e frequentes, e visíveis a toda a Sociedade Civil, mesmo aos mais desconfiados, tem sido possível identificar os efeitos do aquecimento da temperatura. Estes são significativos e visíveis, como é o caso da escassez de água, uma consequência direta e preocupante, resultante do aumento das temperaturas globais. Embora esta mobilização seja visível do ponto de vista internacional e nas elevadas esferas do poder, as ações só serão eficazes se as medidas de aplicação forem de âmbito local.
Foi essa atuação local que se fez sentir. Em resposta a uma situação de eminente emergência, foram adotadas medidas impulsionadoras e limitadoras, entre as quais a necessidade de restringir o uso de água nos consumos urbanos e nos setores do turismo e da agricultura, com a redução da pressão de água na rede de abastecimento público, a suspender da utilização de água pública ou potável na rega de espaços verdes, jardins públicos e privados, fontes ornamentais, lagos artificiais, lavagem de pavimentos, logradouros e viaturas e para compactação de vias rodoviárias (exceto o uso de água reutilizada), suspensão do fornecimento de água da rede pública, revisão de tarifas, entre outras ações.
É conhecido e comprovado os impactes provocados pelas alterações climáticas, bem como os efeitos que este problema provoca no equilíbrio dos ecossistemas e na qualidade ambiental das comunidades, o que tem conduzido os diversos países à adoção de medidas no sentido de mitigar estes efeitos e adaptar as economias às mudanças previsíveis, implementados através de estratégias e programas em contínuo. Neste sentido, seria de compreender que estas medidas de restrição ao uso de água em regiões de seca podem ser amadurecidas e consagradas em planos de mitigação às alterações climáticas.
A mudança nos padrões de precipitação e a consequente relação com os eventos climáticos extremos das últimas décadas, afetam significativamente a disponibilidade de água doce, fundamental para a manutenção da vida humana, e dos Direitos da Humanidade, pelo que é fundamental nas prioridades das estratégias nacionais.
O próprio Relatório de Riscos Globais de 2025, do Fórum Económico Mundial, destaca que, num cenário mundial estimado a 10 anos, o panorama estará cada vez mais fragmentado, com desafios geopolíticos, ambientais, sociais e tecnológicos que irão ameaçar a estabilidade e o progresso dos países.
Sabemos que, no caso da água, os efeitos provocados pelas alterações climáticas são diretos e diversos, resultantes das mudanças nos padrões de precipitação, cada vez mais irregulares, alternando entre chuva abundante e intensa, com longos períodos de seca, bem como com os efeitos indiretos provocados pelo aumento da temperatura atmosférica. Estes efeitos são graves e preocupantes - redução da quantidade de neve e gelo - uma fonte de reservas naturais de água doce, aumento da evapotranspiração e solo extremamente seco, o que diminui a infiltração da água e afeta o lençol freático.
O início deste ano foi marcado por níveis de precipitação significativamente acima da média em vários meses, com um total de precipitação mensal de 190,3 mm, o segundo valor mais elevado desde 2000, o que contribuiu para uma melhoria temporária nas condições de seca, tendo em alguns casos sido suspendido algumas destas medidas restritivas.
Apesar destes episódios de precipitação significativa, é importante não esquecer que a recuperação dos níveis de água subterrânea e das albufeiras requer períodos prolongados de precipitação regular e bem distribuída ao longo do ano, situação que estes meses de chuva intensa não irão conseguir resolver na totalidade, na medida em que não são suficientes para resolver problemas estruturais de escassez hídrica.
Embora este aparente período milagroso tenha permitido alguma recuperação dos níveis de armazenamento em albufeiras e aquíferos, não foram de todo suficientes para sustentar as medidas de restrição no uso da água que foram temporariamente levantadas em várias regiões de Portugal, na medida em que estado de seca não ficou resolvido.
A abundância de precipitação, num curto espaço de tempo, não significa a resolução estrutural do problema da escassez hídrica, na medida em que não há recuperação sustentável dos recursos subterrâneos, que exigem períodos prolongados de precipitação regular e bem distribuída ao longo do ano, apenas mascarou um problema real da seca e da escassez de água em Portugal, que se não for agarrado com seriedade e coragem, irá comprometer gravemente o nosso futuro.
* Especialista Sénior em Sustentabilidade (Gestão de Resíduos e Ambiente)
Doutoranda em Engenharia do Ambiente no IST (investigadora na área do amianto)
Fundadora e Presidente da SOS AMIANTO - Associação Portuguesa de Proteção Contra o Amianto
Autora do livro “Não Há Planeta B: Dicas e Truques para um Ambiente Sustentável”
Conselheira do CES - Conselho Económico e Social, pela CPADA, em representação das Associações Nacionais de Defesa do Ambiente
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