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A “guerra limpa” na Europa - renováveis ao serviço da segurança nacional

Sara Freitas*, APREN

17/09/2025
Este artigo analisa criticamente as recentes dinâmicas na dicotomia energia-guerra, nos planos da União Europeia e em Portugal, discutindo o impacto nas metas para a transição energética, na aprovação de projetos de energias renováveis e na segurança nacional.
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Portugal e a União Europeia enfrentam hoje uma equação inesperada: o fortalecimento da indústria de defesa, sobretudo em resposta à guerra na Ucrânia, cada vez mais ligado às decisões energéticas. O 'Clean Industrial Deal da Comissão Europeia (CE)' e o plano de rearmamento 'ReArm Europe', ou 'Readiness 2030', caminham agora lado a lado, criando tanto tensões como oportunidades no setor energético. De um lado, têm-se os recursos originalmente destinados à transição verde em risco de serem redirecionados para o esforço de defesa; e do outro, a crescente pressão para expandir as renováveis a fim de abastecer as novas fábricas militares.

Uma das consequências mais imediatas do novo foco defensivo europeu é o redirecionamento de fundos anteriormente destinados à ação climática e descarbonização. A proposta da CE consiste em utilizar orçamento comunitário (tais como verbas de coesão) para financiar investimentos em armamento e infraestrutura militar, o que sinaliza um potencial risco de migração de recursos antes destinados à transição energética, fragilizando parcialmente iniciativas ambientais em nome da defesa.

Em alguns países essa mudança já é realidade, sendo anunciados cortes em programas climáticos para cobrir o aumento do gasto militar. No nosso país, embora se mantenham os compromissos climáticos, não é possível ignorar a prioridade da segurança nacional face a outros aspetos, o que eventualmente poderá canalizar para a mesma os fundos alocados, entre outras vertentes, ao desenvolvimento de renováveis e armazenamento, à expansão e modernização da rede elétrica, à promoção da eficiência energética no parque edificado, ou mesmo à sustentabilidade nos transportes.

Com a expansão gradual da indústria de armamento na Europa, cresce a procura energética, nomeadamente por eletricidade mais barata. Este aspeto é fundamental para os grandes fabricantes que preparam já um incremento na capacidade nas suas linhas de produção de munições e equipamentos, tais como mísseis defensivos, radares e componentes de aviões de combate.

Em Portugal, e noutros países, tal traduzir-se-á na reativação de complexos industriais antigos ou no estabelecimento de novas fábricas (tais como fundição, metalurgia, eletrónica militar) a trabalhar em plena capacidade, como tal, realizando consumos muito significativos de eletricidade – indústrias eletrointensivas.

Além do fornecimento de eletricidade, o próprio fabrico de equipamentos modernos como tanques, drones, ou veículos blindados, requer materiais metálicos e eletrónicos também de processamento intensivo, levantando sérias questões relacionadas com a cadeia de abastecimento, nomeadamente na procura por metais críticos (terra-raras, lítio, cobre, etc.) que pode crescer exponencialmente e impactar tanto a defesa como a transição energética. Reforça-se, deste modo, a ideia de que um abastecimento de energia elétrica à indústria de defesa, seguro e estável, será um desafio logístico e de investimento, especialmente se grande parte for proveniente de tecnologias renováveis.

Curiosamente, e apesar do panorama de incerteza, este enquadramento acaba por representar uma janela de oportunidade: o fortalecimento do setor renovável como peça basilar na concretização de toda a produção militar ambicionada e, ao mesmo tempo, um avanço na segurança energética. A História tem sempre mostrado que o clima de guerra impulsiona avanços tecnológicos ou desbloqueia impasses na adoção de determinadas linhas de ação, pelo que o contexto atual parece estar a criar o momentum necessário para que se chegue mais cedo perto de uma estabilidade, a mais longo prazo, no que toca à redução da dependência energética de origens voláteis, já que a parte militar e a energética são relevantes e se reforçam mutuamente.

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A possibilidade de uma produção elétrica local, baseada em recursos endógenos abundantes (como o nosso sol e vento) e com custos marginais próximos de zero, permitirá, assim, preços da eletricidade consideravelmente mais baixos para as indústrias eletrointensivas (re)emergentes. Como tal, uma nova dinâmica poderá mesmo impor-se no mercado de eletricidade, considerando uma produção cada vez mais assente num mix renovável que deve ser remunerado em conformidade.

A energia limpa tem sido um pilar estratégico da resiliência, com o próprio Clean Industrial Deal a prever uma forte aceleração na implementação de renováveis e a eletrificação das indústrias europeias, assim como um novo quadro de apoios estatais para descarbonizar empresas, aumentar os empregos qualificados e a circularidade no uso dos materiais. Em consequência, atender à maior procura elétrica gerada pelo setor da defesa poderá motivar a prossecução das metas nos planos de energia e clima dos Estados-Membros. Entra-se, assim, numa espécie de “guerra limpa”, onde o ambicioso investimento em solar, eólica e baterias passa a ser também um argumento de segurança nacional.

Paralelamente, com a segurança nacional em primeiro plano, os governos europeus já consideram aligeirar as regras de licenciamento, tendo a Comissão lançado recentemente medidas para facilitar os investimentos em defesa, incluindo um regime de licenciamento célere, cujo prazo seja de 60 dias, para projetos militares. Embora esteja pensado para indústrias e instalações de armamento, pode-se especular que o carácter de urgência beneficie projetos de energia renovável dedicados à cadeia militar, assim como as suas infraestruturas associadas, tendo igualmente em conta que o “interesse público prevalecente” já figura na atual legislação portuguesa, conforme plasmado na Diretiva RED III. Não obstante, há que considerar um desenvolvimento adequado da rede elétrica que possibilite todos estes projetos, o que é feito através de Planos de Desenvolvimento e Investimento pensados em horizontes de cinco anos – rede de distribuição (PDIRD-E) – e a dez anos – rede de transporte (PDIRT-E) – com revisões bienais, dificilmente acompanhando os timings das exigências de curto-/médio-prazo.

Num hipotético cenário futuro, em Portugal, poder-se-á conceber que parques eólicos ou fotovoltaicos vistos como estratégicos para bases militares possam entrar neste enquadramento “especial” de aceleração – além daquele definido pelas Áreas de Aceleração de Renováveis, conforme a RED III –, reduzindo prazos de estudos e obtendo-se aprovações com maior rapidez. Sendo que o presente processo de licenciamento de renováveis ainda enfrenta trâmites complexos, esta pressão pode levar a regimes especiais para catalisar projetos associadas à defesa.

No entanto, todo este novo paradigma deve ser abordado com cautela, de forma a evitar a narrativa de “segurança acima de tudo”, já que se incorre no risco de relativizar impactos ambientais e valores sociais e de biodiversidade em nome de prioridades militares. Neste sentido, porém, é de destacar o recém-lançado Roteiro para os 'Nature Credits', orientando a criação de um mercado voluntário que replique o mercado de carbono, mas aplicado ao domínio da biodiversidade e conservação da natureza. O potencial para mobilizar capital privado em favor dos ecossistemas é grande, enquanto retira sobrecarga dos orçamentos públicos pressionados pelas questões de defesa.

Em suma, o imenso recurso hídrico, solar e eólico em Portugal constitui-se como uma espécie de trunfo de desenvolvimento, numa conjuntura onde a indústria militar europeia irá impulsionar o consumo de eletricidade. Estando o Plano Nacional Energia e Clima (PNEC 2030) estrategicamente posicionado para garantir a segurança de abastecimento de energia usando o potencial renovável nacional, uma redução de investimentos em renováveis em favor da indústria militar tornaria ainda mais urgente aproveitar os nossos recursos – seja nas regiões do interior ou no litoral – para garantir que a “guerra limpa” não seja só um discurso.

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*Sara Freitas

Doutoramento em Sistemas de Energia Sustentáveis, focado na implementação da energia solar fotovoltaica nas cidades, e Mestrado em Engenharia da Energia e Ambiente, pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Entre 2019 e 2023, foi gestora de projetos e especialista em energia na Lisboa E-Nova - Agência de Energia e Ambiente Lisboa. Desde 2024 que integra a equipa de Política e Inteligência de Mercado na APREN - Associação Portuguesa de Energias Renováveis.

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