Isabel Azevedo, diretora da Unidade de Energia no INEGI; Mafalda Silva, investigadora sénior no INEGI e coordenadora técnico-científica da Etiqueta Energética das Cidades
16/10/2025As cidades são por excelência os locais onde as pessoas vivem, trabalham, onde estão localizadas as principais atividades económicas e estruturas socias. Num mundo cada vez mais urbanizado, torna-se de extrema importância reforçar a eficiência e a sustentabilidade energética das cidades através de mecanismos e políticas adequados e eficazes. Neste contexto, o conceito de smart city surge como uma solução integradora, capaz de conjugar tecnologia, inovação e sustentabilidade.
Como sublinha Isabel Azevedo, “As cidades são a escala natural para a implementação de soluções de transição energética, porque é nelas que se concentram tanto os problemas como as oportunidades”.
Nos últimos anos, o conceito de smart city evoluiu de uma abordagem centrada apenas na digitalização de serviços urbanos para um paradigma mais abrangente, que integra objetivos de neutralidade carbónica, resiliência climática e participação ativa dos cidadãos. Reflexo disso é a EU Mission on Climate-Neutral and Smart Cities que pretende apoiar um conjunto de cidades a tornarem-se neutras em carbono até 2030, testando abordagens intersetoriais e novos modelos de governança que privilegiam a co-criação com stakeholders locais e com os cidadãos. Em Portugal, várias autarquias têm vindo a assumir compromissos claros neste caminho, alinhando-se com as metas europeias e nacionais de mitigação das alterações climáticas.
No âmbito da Agenda Aliança para a Transição Energética (ATE), financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência nacional, o INEGI está envolvido em dois projetos que pretendem apoiar os municípios no cumprimento dos compromissos de neutralidade carbónica, com recurso a uma camada de digitalização e inovação.
Na vertente de monitorização do consumo de energia em edifícios municipais, o objetivo da plataforma será mitigar ineficiências, reduzir o consumo de energia e melhorar a sustentabilidade dos edifícios sob gestão municipal. Nesse sentido, a plataforma irá permitir a monitorização continuada da energia utilizada nos edifícios públicos, como o edifício da Câmara Municipal, bibliotecas, escolas e piscinas, de forma agregada e por edifício. Os dados de consumo são analisados com recurso a algoritmos de inteligência artificial, desenvolvidos no âmbito do projeto, que permitem identificar padrões de consumo por edifício. Estes algoritmos permitem a criação de modelos preditivos do consumo para a semana seguinte, e a identificação de anomalias na utilização de energia (com a criação de alarmística dedicada). A informação obtida facilita a identificação de ineficiências e orienta intervenções direcionadas para a melhoria do desempenho.
Não obstante o reconhecimento da importância das cidades na mitigação das alterações climáticas, não existe, à data, nenhum sistema capaz de avaliar, medir e comunicar de forma clara o desempenho energético das cidades. Apesar de existirem alguns índices de sustentabilidade globais ou indicadores compósitos (grande parte à escala nacional), estes são muitas vezes demasiado abrangentes e complexos, tornando difícil identificar ações concretas de melhoria, e por outro lado, raramente chegam aos decisores ou aos cidadãos por forma a influenciar as suas decisões e escolhas, no que toca por exemplo a investimentos públicos, ou ao local de residência, respetivamente.
Como destaca Mafalda Silva, “Falta criar mecanismos que apontem direções concretas de melhoria nas cidades. As etiquetas de desempenho energético têm tido um papel fundamental na promoção da eficiência noutros contextos, é urgente transportá-las para os sistemas urbanos”.
Neste sentido, o INEGI encontra-se a desenvolver uma metodologia que permita avaliar o desempenho energético dos sistemas urbanos, propondo-se a criar uma etiqueta de desempenho urbano que funcione como catalisador de uma maior eficiência e sustentabilidade a nível local. Pretende-se que a classificação contante desta etiqueta seja capaz de reconhecer diferentes perfis ou tipologias urbanas e que seja, por isso, justa, no sentido em que não penalizará maiores consumos de energia ou emissões de gases de efeito de estufa resultantes de diferenças estruturais entre as cidades.
A primeira parte do trabalho assentará num levantamento da diversidade de fatores que influenciam o uso de energia em contexto urbano, e dos seus respetivos indicadores. Tais fatores poderão incluir aspetos como a configuração do ambiente construído e dos espaços verdes, os consumos e desempenho do parque edificado e dos transportes, digitalização (enquanto facilitador de maior eficiência), educação e literacia energética, paisagem política e regulatória, entre ouros. Simultaneamente, é fundamental que a eficiência energética seja articulada com princípios de economia circular, uma vez que a transição energética implica frequentemente um aumento da procura de materiais e da consequente geração de resíduos (por exemplo para isolamento de edifícios, painéis solares, baterias automóveis, etc…).
O levantamento a executar pretende ser tão abrangente quanto possível, de modo a capturar as principais dimensões relevantes, que simultaneamente estejam dentro do domínio e âmbito de atuação municipal, de forma a dar direções e recomendações concretas, de forma a possibilitar aos decisores e autoridades locais implementar medidas de melhoria nas dimensões com maior potencial.
Por outro lado, a diversidade de fatores a ter em conta e a complexidade inerente dos sistemas urbanos representa um desafio para a avaliação e medição do desempenho energético urbano. Por este motivo, a metodologia a desenvolver será apoiada em técnicas de inteligência artificial, capazes de encontrar padrões em grandes bases de dados e interpretar sistemas complexos. Pretende-se ainda que o trabalho desenvolvido seja ancorado numa forte interação com atores locais e nacionais, de forma a perceber os principais desafios e necessidades, aquilo que valorizam e como é que uma etiqueta de desempenho urbano poderia facilitar a transição energética das cidades portuguesas.
Dado o papel chave das cidades na transição energética, espera-se que este trabalho venha a contribuir para encetar um mecanismo de avaliação sistemático do desempenho energético das cidades, e que este seja visível e comunicado de forma clara, objetiva e transparente aos cidadãos, empresas, turistas e investidores, de maneira a que passe a constituir um critério de decisão para estes stakeholders. Desta forma, representa também um incentivo à promoção de cidades mais sustentáveis e responsáveis social e ambientalmente.
Este percurso consolidou metodologias que agora são transpostas para soluções acessíveis e escaláveis, ao serviço das cidades portuguesas.
O caminho para cidades mais inteligentes e sustentáveis exige não apenas tecnologia, mas também visão estratégica e ferramentas adaptadas à realidade nacional. Portugal tem vindo a dar passos consistentes nesta direção, através de projetos que posicionam os municípios como protagonistas da transição energética.
INEGI
www.inegi.pt/pt/investigacao/energia-ambiente-sustentabilidade/
Agenda Aliança para a Transição Energética
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